A NOVA DEMOCRACIA BRASIL: NÚCLEO DE ESTUDIOS DE MARXISMO-LENISMO-MAOÍSMO (NEMLM) – ‘Friedrich Engels: La fundación del comunismo, la sistematización del marxismo y la revolución democrática’
HOY PUBLICAMOS ESTE IMPORTANTE DOCUMENTO PUBLICADO EL 18 DE NOVIEMBRE DE 2021 POR EL PERIÓDICO DEMOCRÁTICO A NOVA DEMOCRACIA DE BRASIL EN HOMENAJE AL NACIMIENTO DE FEDERICO ENGELS EN SU VERSIÓN ORIGINAL EN PORTUGUÉS, PRONTO PUBLICAREMOS AQUÍ MISMO SU TRADUCCIÓN AL ESPAÑOL/INGLES.
NEMLM – ‘Friedrich Engels: a fundação do Comunismo, a sistematização do Marxismo e a Revolução Democrática’
Friedrich Engels: 28 de novembro de 1820 – 5 de agosto de 1895. Foto: Banco de Dados AND
Recebemos na redação de AND o documento do Núcleo de Estudos do Marxismo-Leninismo-Maoismo (NEMLM Brasil) intitulado Friedrich Engels: a fundação do Comunismo, a sistematização do Marxismo e a Revolução Democrática. Com grande prazer realizamos a publicação deste rico material em nosso portal como parte da Celebração pelos 200 anos do grande Friedrich Engels, celebrados pelo proletariado internacional e povos de todo o mundo em 28 de novembro de 2020.
O documento pode ser lido na íntegra em nosso portal e também no formato PDF clicando aqui.
Proletários de todos os países e povos oprimidos de todo o mundo, uni-vos!
Friedrich Engels: a fundação do Comunismo, a sistematização do Marxismo e a Revolução Democrática
Núcleo de Estudos do Marxismo-Leninismo-Maoismo – NEMLM Brasil
Novembro de 2020
No 28 de novembro completaram-se 200 anos do natalício do grande comunista Friedrich Engels. Defender Engels é defender o Marxismo e combater o revisionismo. A trajetória e a obra de Marx e Engels são inseparáveis, ambos são os fundadores do socialismo científico, o Comunismo. Que foi forjado em meio aos fragorosos combates da luta de classes do proletariado Europeu, na tempestade revolucionária de 1848. Neste processo, Marx e Engels foram os principais dirigentes do Partido Comunista na Alemanha, então Liga dos Comunistas, na luta por culminar ali a Revolução Democrática, como etapa necessária à Revolução Socialista. Nos anos de 1848-1849, Marx e Engels passaram da arma da crítica a crítica das armas, pegaram em armas e dirigiram a mais importante Associação Operária e a mais importante Sociedade Democrática na Prússia; dirigiram o jornal político democrático mais combativo de toda a Alemanha, a Nova Gazeta Renana, foram presos, processados, deportados. Assim, no fogo da luta de classes fundou-se o Comunismo!
Nos anos seguintes, coube a Marx a monumental tarefa de desenvolver o núcleo científico da ideologia proletária, com a obra O Capital, cujo o Livro I foi publicado em 1867. Também essa produção teórica se deu de maneira inseparável da luta de classes, afinal a I Internacional fora fundada, também sob sua direção, apenas três anos antes, em 1864. Em 1871, a gloriosa Comuna de Paris foi a comprovação das verdades universais do Marxismo, da necessidade prática da ditadura do proletariado. Com O Capital, com a I Internacional e o magistral balanço da Comuna, Karl Marx se eleva à condição de primeira Chefatura do então nascente Movimento Comunista Internacional.
Caberá a Engels a defesa mais decidida da ideologia científica do proletariado, tanto na luta de duas linhas contra o socialismo pequeno-burguês de Bakunin na I Internacional, quanto na luta contra o lassallismo no Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD). Grande contribuição de Friedrich Engels à Revolução Mundial será a sistematização do Marxismo enquanto uma doutrina integral do proletariado internacional. Esta sistematização de Engels está presente de forma condensada na obra Anti-Dühring, na qual pela primeira vez o Marxismo é apresentado em suas três partes constitutivas: filosofia marxista, economia política marxista e socialismo científico.
A partir da segunda metade da década de 1870, Engels começa a assumir cada vez mais o posto de liderança do proletariado até que passa a secundar Marx na condição de Chefatura do nascente MCI. A Carta Circular, de 1879, na qual Engels derrota as posições liquidacionistas no SPD, é o marco do grande dirigente comunista no assumir tal condição. Após o desaparecimento físico de Marx, Engels completa a sistematização Marxista com as publicações do Livro II (1885) e do Livro III (1894) de O Capital, ademais apoia decisivamente a fundação da II Internacional e combate implacavelmente o nascente revisionismo, através de duras lutas de duas linhas, até sua morte em 1895. As celebrações do bicentenário de Marx só se concluem com as celebrações do bicentenário de Engels, por isso, nesta data ergamos de maneira inseparável os estandartes vermelhos dos dois fundadores do Comunismo!
1. Marx e Engels: os fundadores do Comunismo
Marx e Engels nasceram na Província Renana, quando esta já havia sido anexada pelo Reino da Prússia. Marx nasceu em Trier, na margem esquerda do Reno, e Engels em Barmen, hoje Wuppertal, em sua margem direita. Durante as Guerras Napoleônicas, toda a região da Renânia havia passado por profundas modificações políticas, sociais e econômicas, destacadamente o fim de todos os privilégios feudais dos nobres latifundiários. Com a derrota de Napoleão pela coligação reacionária encabeçada pela Rússia czarista, o Reino da Prússia, em 1815, anexou a Província Renana, que era então a região mais industrializada da Confederação Germânica. Na Renânia, de Marx e Engels, era muito forte o sentimento democrático e antifeudal.
Engels nasceu em uma família burguesa de comerciantes e fabricantes têxteis. No entanto, na Prússia de 1820, a burguesia não fazia parte das classes dominantes, era uma classe intermediária, que explorava o proletariado, mas que ao mesmo tempo era oprimida econômica e politicamente pela aristocracia feudal prussiana, a classe dominante de então. O fato de nascer em um meio industrial, possibilitou a Engels estabelecer contato com os operários alemães e, logo, em sua juventude, com o proletariado inglês. Apesar desta condição econômica dúbia da burguesia renana (exploradora e oprimida), na família de Engels predominava as concepções conservadoras religiosas de seu pai. Em contraposição a isto, desde cedo Engels denunciou a hipocrisia e fraqueza burguesas, aos 18 anos, publica sem assinatura, no Telegraph für Deutschland, as Cartas de Wuppertal, nas quais denuncia as relações sociais em Barmen.
Pressionado por seu pai a seguir a carreira comercial, é forçado a abandonar os estudos logo que conclui os anos escolares. Antes de trabalhar diretamente na empresa de sua família, inscreve-se como voluntário no exército prussiano, prestando serviço militar na brigada de artilharia na capital do reino da Prússia. Engels chega a Berlim em setembro de 1841 e aproveita o tempo vago para assistir aulas de filosofia na Universidade. Dentre esses cursos, Engels pôde acompanhar as palestras do filósofo, então reacionário, Friedrich Schelling. Schelling, que fora contemporâneo de Hegel, havia sido chamado pelo rei da Prússia a Berlim para ajudar no combate à dialética hegeliana, principalmente às conclusões ateias extraídas desta filosofia pelos chamados jovens hegelianos.
No final de 1841 e início de 1842, Engels escreve uma série de artigos em que demole a tentativa de Schelling de suplantar a filosofia hegeliana. No artigo Schelling sobre Hegel e no panfleto Schelling e a revelação – Crítica da última tentativa de reação contra a filosofia livre, Engels defende a dialética hegeliana dos ataques reacionários, ao mesmo tempo que avança para conclusões materialistas. Ao se aproximar do materialismo, Engels já iniciava uma demarcação com os jovens hegelianos. Ao defender uma dialética materialista não contemplativa, Engels, nesta questão, também se colocava à frente de Feuerbach, que naquele mesmo ano (1841) havia publicado a importante obra A essência do cristianismo, que apesar de defender abertamente o materialismo detinha-se numa posição contemplativa e não histórica da sociedade. Engels, desde aquele período, desfralda a dialética como uma arma de combate, ainda num terreno especulativo e não político, mas fundamentalmente no campo de batalha contra as velhas ideias: “Vamos lutar e sangrar, olhar sem desanimar nos olhos sombrios do inimigo e resistir até o fim!” (Schelling e a revelação).
Quando Engels chegou à capital prussiana, Marx já havia concluído seus estudos na Universidade de Berlim. Os dois não se conheceram ali, mas Engels frequentou os mesmos círculos teóricos que ele. Importante notar que desde aquela época, mesmo que os dois ainda não o soubessem, já havia uma forte proximidade entre o pensamento de ambos. A tese de doutorado de Marx, aprovada em abril de 1841, Diferença da filosofia da natureza de Demócrito e Epicuro, em vários aspectos coincide com as conclusões dos primeiros textos filosóficos de Engels. Da mesma forma que este, Marx chega ao materialismo pela dialética, no caso pela aplicação da lógica hegeliana na análise da filosofia da natureza de Epicuro. E assim como Engels, Marx não adere ao aspecto contemplativo do materialismo de Feuerbach, sua tese é um libelo na defesa do materialismo, que se por um lado lhe fechava a possibilidade de uma carreira acadêmica, por outro lhe abriu as perspectivas do jornalismo democrático revolucionário na província Renana.
No início de 1842, Marx e Engels, de maneira independente, passarão a publicar artigos no jornal democrático Gazeta Renana. Desde essa época, Engels acompanhava os artigos de Marx e a partir dos relatos dos círculos berlinenses nutria por este uma profunda admiração, como pode ser constatada num poema sobre os jovens hegelianos, no qual descrevia algumas de suas figuras, dentre as quais Marx:
“Eis o negro filho de Trier de alma indomável.
Não anda – corre, não, lança-se como avalanche,
O olhar de águia brilha com ousadia insolente,
E lança emocionado os braços para a frente
Como se quisesse derrubar a abóbada celeste.”
(Engels, A Bíblia insolentemente ameaçada)
Em outubro de 1842, Marx havia se tornado chefe de redação da Gazeta Renana, na mesma época Engels havia cumprido o serviço militar e voltara para a casa. No caminho para a Inglaterra, em novembro daquele ano, Engels passa por Colônia para visitar a redação da Gazeta Renana e conhecer pessoalmente Marx. No entanto, a recepção deste foi extremamente fria, pois conforme as próprias palavras de Engels: “Como eu mantinha correspondência com os Bauer [irmãos Bruno Bauer e Edgar Bauer, lideranças dos jovens hegelianos], passava por seus aliados”. No entanto, em pouco tempo a opinião de Marx sobre Engels mudaria radicalmente. Em dezembro de 1842, a Gazeta Renana publicaria o artigo A situação da classe operária na Inglaterra1, no qual Engels apresentava suas primeiras impressões sobre a situação de vida do proletariado inglês e de sua luta pelos direitos políticos nas jornadas dos cartistas. Esse texto provocou profundo impacto em Marx e lhe chamou atenção sobre a luta de classes e as verdadeiras forças motrizes da sociedade burguesa, percepção esta que já aparece em seus manuscritos Para a crítica da filosofia do direito de Hegel (1843).
Em março de 1843, devido à perseguição prussiana, a Gazeta Renana, encerra suas atividades por conta de grandes dificuldades econômicas provocadas pela reação. No mesmo ano, Marx se muda para Paris e passa a preparar com Arnold Ruge a publicação da revista Anais Franco-Alemães. Para o primeiro número, em 1844, desde a Inglaterra, Engels publicaria a germinal obra Esboço para uma crítica da economia política, na qual aplica-se pela primeira vez a dialética materialista na crítica à economia política inglesa, sobretudo à Smith, Ricardo e Malthus. Essa obra é uma crítica frontal ao liberalismo, pois nela Engels revela como a teoria da população de Malthus (isto é, a defesa explícita do genocídio dos pobres) era o desenvolvimento necessário e consequente da livre concorrência de Smith. Engels demonstra que a propriedade privada conduz à concorrência, e a concorrência dos capitais e entre os trabalhadores leva enormes contingentes de massas à miséria; portanto, a luta contra a miséria devia conduzir inevitavelmente à luta contra a propriedade privada. A crítica da propriedade privada já havia sido feita pelos socialistas utópicos, mas essa era uma crítica fundamentalmente moral; no texto de Engels aparece pela primeira vez a crítica econômica e científica da propriedade privada. Esse texto, causou novamente em Marx um grande impacto e o ajudou a direcionar suas investigações científicas para a economia política.
Nesta obra encontramos, também, os apontamentos de Engels sobre a unidade dialética entre monopólio e concorrência: “A livre concorrência, principal palavra-de-ordem dos economistas atuais, é uma impossibilidade. (…) o artigo mais importante, o dinheiro, tem precisamente a maior necessidade de ser monopolizado. (…) Seja por que lado for que se tome a questão, um aspecto é tão difícil quanto o outro: o monopólio engendra a livre concorrência e esta, por sua vez, o monopólio; por isto, é preciso que ambos desapareçam e que estas dificuldades sejam ultrapassadas pela supressão do princípio que as gera [a propriedade privada].” Ao destacar a dialética entre monopólio e concorrência, Engels percebia, ainda que apenas logicamente, a tendência do capitalismo ao monopólio; tendência esta desenvolvida plenamente no início do século XX e captada por Lenin em suas formulações sobre o imperialismo, do encerramento da etapa da livre concorrência e início da superior e última fase do capitalismo, o regime de monopólios, o imperialismo.
Quando Engels se encontra com Marx, pela segunda vez, em agosto de 1844, havia entre eles uma forte admiração recíproca e uma enorme identidade ideológica. Ambos haviam chegado ao materialismo através da dialética hegeliana, ambos haviam rechaçado o materialismo a-histórico e contemplativo de Feuerbach e tomado posição pela luta política comunista, ambos haviam descoberto no proletariado a classe mais revolucionária da história. O encontro desses dois gigantes marca o nascimento do socialismo científico, o comunismo. Nascimento este que, por sua vez, só iria se completar com a fusão da teoria revolucionária com a luta de classes do proletariado. Desse encontro histórico, iniciar-se-á a produção teórica conjunta de Marx e Engels. Primeiramente a Sagrada Família (1845), na qual criticarão a dialética abstrata especulativa e antimassas dos irmãos Bauer. Logo, em 1846, escrevem Feuerbach. Oposição entre as concepções materialista e idealista, obra que seria publicada apenas em 1926 na URSS, como primeira parte de A ideologia alemã. Nesta obra, que permaneceu inédita por 80 anos, encontramos a exposição integral do desenvolvimento da concepção materialista dialética histórica.
Nessa histórica passagem por Paris, em 1844, Engels trazia da Inglaterra os contatos com a organização clandestina de operários imigrantes alemães então denominada Liga dos Justos. Essa organização de proletários sofria fortes influências do socialismo pequeno-burguês de Proudhon. Marx e Engels, então, iniciaram uma sagaz luta de duas linhas com os dirigentes da Liga. Nesse sentido, em 1845, Engels publica como livro A situação da classe operária na Inglaterra, na qual analisa detidamente as diferentes camadas do proletariado naquele país, destacando ser o operariado industrial a sua parcela mais avançada. Neste mesmo ano, desde Bruxelas, Marx e Engels fundam com outros camaradas, dentre eles Guilherme Wolff e Joseph Weydemeyer, o Comitê de Enlace, que se tornaria a Fração Vermelha da Liga dos Justos. O primeiro resultado desta atuação foi, em 1846, a aprovação na Liga por proposição de Engels da moção contra as receitas sociais de Proudhon e a favor da tese da supressão da propriedade privada pela revolução violenta.
Em 1847, Marx publica Miséria da Filosofia, uma crítica frontal ao socialismo pequeno-burguês de Proudhon, tanto em seus fundamentos filosóficos quanto econômicos. Neste mesmo ano, Marx realizaria uma série de palestras em Bruxelas, que seriam publicadas mais tarde sob o título de Trabalho assalariado e Capital. Este era o esforço conjunto de Marx e Engels para derrotar o socialismo pequeno-burguês de Proudhon e alcançar o salto necessário na organização. Em novembro de 1847, no II Congresso da Liga dos Justos, as posições de Marx, Engels e de sua Fração Vermelha saem plenamente vitoriosas. A Liga passa a se chamar Liga dos Comunistas e adota como lema a consigna: “Proletários de todos os países, uni-vos!” No mesmo Congresso, Marx e Engels são encarregados de escreverem um manifesto com as novas concepções da Liga. Em fevereiro de 1848, era publicado o Manifesto do Partido Comunista, obra que sintetiza os princípios fundamentais do comunismo, que marca a fundação do pensamento marx, que no curso da luta de classes e da luta de duas linhas se elevaria à condição de Marxismo.
2. Engels e a Revolução Democrática na Alemanha
Na parte final do Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels postulam as tarefas dos comunistas nos processos revolucionários em diferentes países. Na Inglaterra, defendem a aliança com os cartistas, bem como com os partidários da reforma agrária no USA. Na França, os comunistas lutam contra a burguesia conservadora e radical. Na Polônia, “os comunistas apoiam o partido que vê na revolução agrária a condição para a libertação nacional“. Na Alemanha, “o Partido Comunista luta ao lado da burguesia, enquanto esta atua revolucionariamente contra a monarquia absoluta, contra a propriedade feudal e a pequena-burguesia reacionária.” Destacam ainda que:
“Os comunistas fixam sua principal atenção na Alemanha, porque a Alemanha se encontra às vésperas de uma revolução burguesa e porque levará a cabo esta revolução sob condições mais avançadas da civilização europeia em geral, e com um proletariado muito mais desenvolvido do que da Inglaterra no século XVII e do que da França no século XVIII, e, por isso, a revolução burguesa alemã não poderá ser senão o prelúdio imediato de uma revolução proletária.”
A clareza com que Marx e Engels estabelecem as tarefas dos comunistas e a sintonia de sua publicação com o momento da luta de classes na Europa é de fato impressionante. A primeira edição do Manifesto, impressa em uma pequena tipografia em Londres, ocorreu em fevereiro de 1848; no dia 24 daquele mês, as massas insurretas em Paris expulsaram o rei Luís Filipe e derrubaram a monarquia (restaurada desde 1815), proclamando a Segunda República. Como previsto no Manifesto, na Alemanha arrebenta uma revolução burguesa: no dia 13 de março, em Viena, as massas expulsam o príncipe Matternich e conformam um governo provisório revolucionário; no dia 18 de março, em Berlim, o rei Guilherme Frederico IV se rende às massas levantadas em armas. Na Itália, os levantamentos populares ocorrem nos Reinos da Sardenha e da Lombardia; também no dia 18 de março, o povo italiano em armas expulsa o exército austríaco que ocupava a região.
Essa tempestade revolucionária que sacudiu o continente europeu, no ano de 1848, era fundamentalmente uma Revolução Democrático-Burguesa, como estava já indicado no Manifesto do Partido Comunista. No entanto, a revolução burguesa no século XIX, não era uma mera repetição das revoluções feitas pela burguesia no século XVII na Inglaterra, ou no XVIII na França. Como fora estabelecido por Marx e Engels, essa segunda onda da revolução burguesa europeia, contava com um novo fator que conferia a ela uma nova qualidade: o desenvolvimento pleno do proletariado industrial, que entrava na arena da luta de classes, pela primeira vez na história, como uma classe independente e com seu próprio programa político e social. Por isso no Manifesto, afirmam que a revolução burguesa será o prelúdio imediato de uma revolução proletária.
A revolução burguesa como antessala da revolução proletária se confirma na prática de maneira mais imediata no processo revolucionário francês. Em fevereiro, foram os burgueses e proletários que derrotaram a monarquia restaurada; logo em seguida, em junho daquele ano, serão os proletários franceses armados que enfrentarão sua burguesia na luta por uma “república social”. O antagonismo entre burguesia e proletariado se revela e se confirma como o verdadeiro motor da história moderna, como estava predito no Manifesto.
Por outro lado, os levantamentos de 1848, particularmente na Itália e na Alemanha, apesar da presença de um ainda nascente proletariado industrial, também confirmaram a análise de Marx e Engels quanto ao seu caráter burguês. Afinal, as principais reivindicações políticas desses processos eram: fim das monarquias absolutistas e a proclamação da república; fim da divisão das nacionalidades em reinos e conformação da unidade nacional; fim dos tributos e das relações de propriedade da terra feudais que impediam o desenvolvimento da indústria e do comércio; fim das taxas feudais que oprimiam os camponeses; e libertação nacional dos povos oprimidos pelos Estados monárquicos reacionários. As rebeliões populares em Viena e Berlim, também confirmaram o postulado no Manifesto de que os comunistas fixavam sua principal atenção na Alemanha, porque ali se estava às vésperas de uma revolução burguesa. Os acontecimentos revolucionários de 1848 na Alemanha, que se estenderam até 1849, confirmaram a brilhante análise de Marx e Engels.
2.1 Guerras Camponesas e Guerra de Resistência Nacional
A história da Revolução Burguesa alemã, como Engels analisaria em detalhe em seu As Guerras Camponesas na Alemanha, remonta aos acontecimentos históricos do século XVI. Em 1517, Lutero inicia a chamada “reforma protestante”, se opondo, sob a forma religiosa, ao domínio espiritual da Igreja Católica. Ao atacar o domínio ideológico católico, a reforma catalisou uma gigantesca revolta camponesa que mirava a conquista das terras da Igreja pelos camponeses e a libertação dos encargos feudais. A direção mais consequente das guerras camponesas alemãs, conforme Engels, foi a do revolucionário plebeu Tomas Münzer. Imediatamente, Lutero se colocou contra os camponeses e se aliou aos príncipes no esmagamento da guerra revolucionária. Com a derrota dos camponeses, foram os príncipes reacionários que se apossaram das terras da Igreja Católica. Do ponto de vista econômico e social, isso significou um reimpulsionamento do feudalismo, que vinha em decadência. Do ponto de vista político, acentuou-se a fragmentação política da nacionalidade alemã, que encontrava-se, então, dividida em mais de 300 reinos independentes entre si, contando apenas com uma frágil centralização política denominada Sacro Império Romano Germânico.
Esta primeira derrota de uma revolução burguesa na Alemanha, com o esmagamento das guerras camponesas, determinou um lento desenvolvimento da nacionalidade alemã nos séculos seguintes. Na virada do século XVIII para o XIX, a condição política havia alterado-se muito pouco. A diferença mais substancial é que destes 330 reinos, dois haviam se destacado com uma maior centralização política a partir da anexação de reinos menores. Esses dois reinos eram: o reino da Áustria e o reino da Prússia, comandados, respectivamente, pelas casas reais dos Habsburgos e dos Hohenzollern. Durante mais de dois séculos, a hegemonia política desses pequenos estados germânicos conservou-se com os Habsburgos, que acumulavam o título de Rei da Áustria e de Imperador do Sacro Império Romano Germânico.
Era esta a situação da Alemanha, quando a Europa foi sacudida violentamente pela grandiosa Revolução Francesa, que se iniciou em 1789 com a queda da Bastilha. Por sua forma e conteúdo a Revolução Francesa constituiu-se no tipo clássico da revolução burguesa, tanto no sentido de ter sido a mais radical, quanto por ter sido a que mais influenciou politicamente os regimes burgueses em todo o mundo. Os setores mais avançados desta revolução foram os jacobinos e seu principal líder foi Robespierre. Do ponto de vista social a mudança mais importante impulsionada pelos jacobinos foi a expropriação de todas as terras dos nobres e sua entrega aos camponeses. Essa revolução agrária marcou o fim econômico da aristocracia feudal francesa e, também, determinou o curso internacional subsequente da expansão da revolução no continente europeu. Em 1794, os girondinos, derrotam os jacobinos e buscam restaurar uma série de privilégios aristocráticos. No entanto, em 1799, Napoleão, de tendência jacobina, toma o Poder e inicia uma nova fase na Revolução Francesa.
Apoiado em um exército de camponeses recém-libertos, Napoleão buscaria expandir as conquistas políticas e sociais burguesas por toda a Europa. Neste processo, todavia, expressaria as contradições inerentes à sua condição de classe. A burguesia, como classe exploradora, não pode conduzir a humanidade a sua emancipação social. Realizada sua emancipação política com a conquista do poder, a burguesia luta por conservá-lo a qualquer custo, inclusive compondo com a monarquia deposta, tendendo cada vez mais, em razão da contradição com o proletariado, para a reação; e essa condição se revelaria de maneira patente nas chamadas guerras napoleônicas. Em 1804, Napoleão coroa-se Imperador da França; de 1805 à 1810 iria derrotar uma série de monarquias feudais europeias; ocupa regiões da Holanda, da Itália, da Suíça, da Polônia e da Alemanha. Ao mesmo tempo, que nessas regiões ele anulava a legislação feudal e libertava os camponeses do jugo da servidão, do ponto de vista político buscava instaurar um novo domínio imperial. A burguesia, diferentemente do proletariado, não pode ser completamente revolucionária. Assim Napoleão de um libertador se transforma em um opressor nacional, tanto na Europa como nas colônias francesas, nas quais restaura a escravidão como ocorreu no Haiti após a prisão do líder revolucionário Toussaint Louverture.
Para a Alemanha, os impactos das guerras napoleônicas também se deram nessa dupla direção: revolucionária e reacionária. Em 1806, após impor sucessivas derrotas militares à Áustria, Napoleão acaba com o defunto medieval insepulto chamado Sacro Império Romano Germânico. Dos 330 reinos germânicos, Napoleão os reduz a 36 Estados; no entanto, em vez de eliminar com todos os príncipes, fortalece alguns que são transformados em representantes do Império francês nas terras alemãs. Em pouco tempo, apesar dos progressos sociais e econômicos, cresce entre o povo alemão o sentimento nacional e a oposição à ocupação das terras germânicas pelo exército napoleônico. Afinal, a guerra de libertação burguesa se transformara, então, em opressão nacional. Beethoven que dedicara sua Sinfonia nº 3, a Heroica a Napoleão, retira-lhe a dedicatória quando este se autoproclama imperador e consagra sua sinfonia à “liberdade”.
Em 1809, o líder camponês Andreas Hofer inicia uma rebelião contra a ocupação francesa, na região do Tirol, no reino da Áustria. Esse levantamento marca o início da luta nacional germânica contra a ocupação francesa. Por sua vez, o declínio militar de Napoleão se inicia, em 1812, após a desastrosa campanha da Rússia, quando fora repelido pelo impávido povo russo, que obrigou os invasores a uma penosa retirada. Com o ascenso dessas lutas nacionais, particularmente com as resistências russa, germânica, italiana e espanholas, o Império napoleônico aproximava-se de seu fim. No entanto, a direção dessa resistência nacional não fica nas mãos de uma burguesia democrática, mas sim da reação feudal, particularmente do czarismo russo, em aliança com os reinos da Prússia e da Áustria. Em 1815, no Congresso de Viena, assinou-se a capitulação do Império Francês e Napoleão é enviado para a prisão.
Para a Alemanha, o resultado do Congresso de Viena correspondeu ao fortalecimento dos reinos da Áustria e da Prússia, que cresceram em território anexando muitas outras províncias germânicas. É neste período que a Renânia, terra natal de Marx e Engels, como já referido acima, seria anexada ao reino da Prússia. Assim como nas Guerras camponesas, foram os príncipes feudais quem saíram vitoriosos; após a guerra nacional revolucionária contra a ocupação napoleônica serão os aristocratas do reino da Áustria e os junkers, senhores de terras feudais da região oriental do reino da Prússia que sairão fortalecidos. Este é o antecedente histórico da Revolução Alemã de 1848, e foi neste quadro econômico-social que se agudizaram, no período entre 1815 e 1848, as contradições da burguesia alemã com as monarquias da Prússia e da Áustria. Foi baseado no crescimento da luta política da burguesia contra a nobreza latifundiária-feudal que fez Marx e Engels afirmarem no Manifesto do Partido Comunista, que a Alemanha se encontrava às vésperas de uma revolução burguesa.
2.2 Revolução e Contrarrevolução na Alemanha em 1848/49
Após o Congresso de Viena (1815), a aristocracia francesa restaura sua monarquia, e na Prússia e na Áustria se reforçam as monarquias absolutistas. Nas terras germânicas renova-se a opressão feudal contra os camponeses, a fragmentação nacional alemã e a subjugação de nacionalidades oprimidas pela Prússia e pela Áustria: os italianos do norte, os poloneses, tchecos e húngaros. Apesar do reforço da superestrutura feudal e do fortalecimento de arcaicas relações sociais de produção, o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas constituíam uma tendência inexorável. O impulsionamento da mecanização, a generalização da máquina à vapor, a expansão do mercado mundial capitalista, tudo isso foi preparando as condições econômicas como a base para um novo estremecimento da superestrutura feudal. Foram fermentando as condições objetivas para a nova onda da revolução burguesa na Europa que estoura em 1848.
Ao lado do avanço do capitalismo no continente europeu e já consolidado na Inglaterra, cresce o movimento operário, particularmente na ilha britânica e na França. Na década de 1830, despontaram o movimento cartista dos operários ingleses que lutavam por reivindicações políticas, e as primeiras greves massivas na França. No reino da Prússia, em 1844, na Província da Silésia, ocorre a histórica rebelião dos tecelões que dirigem sua fúria contra a propriedade privada dos meios de produção. O agravamento da luta de classes particular do modo de produção capitalista, por sua vez, foi impulsionando o desenvolvimento e a propagação das ideias socialistas. O aparecimento do movimento socialista na Inglaterra e na França, a propagação das ideias comunistas na Alemanha, são os produtos ideológicos e orgânicos deste período, cujo surgimento da Liga dos Comunistas e o lançamento do Manifesto do Partido Comunista corresponderam aos seus patamares mais elevados. O Manifesto era a síntese do pensamento marx e a arma mais poderosa do proletariado revolucionário.
Armada com este pensamento-guia, a Liga dos Comunistas, principalmente sua Fração Vermelha, dirigida por Marx e Engels, atuou durante a Revolução Democrática na Alemanha de 1848. Em fevereiro daquele ano, Marx e Engels estavam em Bruxelas, donde dirigiam a Associação Democrática da Bélgica. Com o levantamento revolucionário no continente, Marx foi preso e deportado para Paris, onde chega no início de março; no final do mesmo mês, Engels se encontra com o camarada na capital francesa. A esta altura, já haviam ocorrido as insurreições de Viena e Berlim. No início de abril, os dois dirigentes chegam à Colônia, capital da Província Renana. Em mãos traziam um importante comunicado: As Reivindicações do Partido Comunista da Alemanha, que continha especificado o programa do proletariado para a Revolução Democrática alemã.
Como primeiro ponto do programa proletário, anunciava-se: “Toda a Alemanha será declarada uma república única e indivisível”; em seguida, defendia-se o “armamento geral do povo”. Quanto à questão camponesa, propugnava-se: a abolição, sem indenização, de todos os tributos feudais sobre os camponeses, nacionalização das propriedades rurais dos príncipes e nobres, estatização das hipotecas dos camponeses e rebaixamento dos juros das mesmas, fim do pagamento do arrendamento aos latifundiários. Além disso, defendia-se: a estatização dos bancos, dos meios de transportes e comunicação, e a criação de indústrias do Novo Estado. Em correspondência ao Manifesto, o Programa do Partido Comunista da Alemanha, ou seja, da Liga dos Comunistas, combinava a proposição de tarefas democráticas e tarefas socialistas, indicando desde aquela época o caráter ininterrupto entre as duas revoluções.
Entretanto, não havia dúvida para Marx e Engels que a contradição principal da Revolução Democrática na Alemanha era a de completar a conformação nacional, isto é, a unificação alemã e o estabelecimento da República. Como questão de segunda ordem, estava o problema camponês, fundamentalmente o fim de toda a exploração feudal, a defesa da propriedade camponesa e da necessidade de expropriação dos latifundiários. Os instrumentos revolucionários construídos por Marx e Engels correspondiam ao caráter burguês da revolução alemã. Por isso, em maio de 1848, os dois ingressarão, como representantes da clandestina Liga dos Comunistas, na Sociedade Democrática de Colônia. Em junho daquele ano, publicariam a primeira edição do Nova Gazeta Renana – Órgão da Democracia, que se transformaria em pouco tempo no porta-voz mais importante da Revolução alemã, notadamente de sua linha proletária. Logo na sequência, Marx foi eleito, também, para a direção da Associação Operária de Colônia. Será através destes instrumentos: da Liga dos Comunistas, da Nova Gazeta Renana, da Associação Operária e da Sociedade Democrática e, posteriormente, do Destacamento Militar de Operários na campanha de Baden e do Palatinado, que Marx e Engels atuarão na Revolução Democrática alemã, na busca por impor a direção proletária à mesma. As forças comunistas concentravam-se principalmente na Província Renana, no extremo ocidental do reino da Prússia; e com menos força, mas com importante atuação, na província da Silésia, na porção oriental prussiana, onde se destacava o veterano revolucionário Guilherme Wollf. Apesar de possuírem uma linha política correta, um programa acertado, e esse conjunto de instrumentos para a revolução, a condição de interferência do Partido na Alemanha era ainda bastante limitado, pois a conformação da Liga dos Comunistas havia se dado alguns meses antes e sua atuação dentro da Prússia e da Áustria era muito recente.
Na Revolução Democrática alemã, podemos destacar três grandes momentos: 1º) as insurreições de Viena e Berlim, em março de 1848; 2º) a insurreição de outubro de 1848 em Viena; e 3º) a campanha militar de Baden e do Palatinado (estados do sul da Alemanha), de maio a junho de 1849. As duas insurreições de Viena, marcam o enfrentamento das massas contra os Habsburgos; a insurreição de Berlim e a Campanha do Palatinado, o enfrentamento das massas contra os Hohenzollern.
As insurreições de março foram vitoriosas, no entanto, a mais impactante foi a de Viena, que enfrentou os ataques do Exército austríaco e expulsou o príncipe Metternich da cidade. Em Berlim, o rei se trancou no palácio e buscou negociar com os rebelados; primeiro exigiu o fim das barricadas, para só assim retirar as tropas da cidade, mas diante da persistência dos insurrectos foi obrigado a retirá-las incondicionalmente. No reino da Áustria as tropas reais sofreram uma derrota militar das massas; na Prússia, sofreram apenas uma derrota moral. No entanto, essas derrotas impactaram imediatamente os povos colonizados por esses reinos. Lutas de libertação nacional avançaram imediatamente nas regiões dominas pelo reino da Áustria: no norte da Itália, na Boêmia de população tcheca e na Hungria. As regiões polonesas, dominadas pelo reino da Prússia, também foram sacudidas por lutas de libertação nacional.
Nos campos alemães, as massas também se animaram com a onda revolucionária que havia sacudido as capitais dos dois principais reinos germânicos. Na Áustria, camponeses se recusaram a pagar a corveia, castelos foram atacados e a liberdade em vários feudos foi proclamada. As lutas de libertação nacional contra o exército austríaco, na Itália e na Hungria, facilitaram o avanço dos camponeses germânicos/austríacos; como destaca Engels: “os camponeses estavam demasiado ocupados por todas as partes em destruir o feudalismo até os últimos vestígios. Graças à guerra na Itália e as preocupações que Viena e Hungria davam à Corte, os camponeses gozavam de completa liberdade de ação, e na Áustria conseguiram na obra de sua emancipação mais do que em qualquer outra parte da Alemanha.” No oeste alemão, os camponeses depositaram grandes expectativas com os resultados das insurreições de março. Houveram inúmeras concentrações de massas no interior do país, camponeses que se reuniam nos mercados das aldeias à espera da divisão geral de todas as propriedades.
No entanto, a direção burguesa da Revolução Democrática, após as insurreições de março, concentrou todos seus esforços nas discussões constitucionais. No lugar de transformar aquelas insurreições em uma guerra civil revolucionária que levasse à tomada do poder em toda a Alemanha, seja pela conformação de um Exército revolucionário seja pela passagem dos exércitos reais para o campo da revolução, a burguesia logo iniciou as tratativas com o velho poder para a realização de assembleias constitucionais. Antes de tomar o Poder, a burguesia alemã iniciou os debates teóricos das formas constitucionais de seu poder ilusório. Desta maneira, enquanto nas regiões coloniais, dominadas pelos reinos da Prússia e da Áustria, crescia as ações revolucionárias dos povos oprimidos e no interior aumentava o levante dos camponeses germânicos; nas capitais, a burguesia se apressou em conformar parlamentos e definir marcos jurídicos, antes mesmo de concluir sua revolução.
Praticamente em todos os 36 estados foram conformados algum tipo de parlamento. Os mais importantes foram as Assembleias de Berlim, de Viena e a Assembleia Nacional Constituinte, que se reuniu na cidade-livre de Frankfurt. Do ponto de vista político, as Assembleias prussiana e austríaca representavam um enfraquecimento de suas respectivas monarquias absolutistas, no entanto, essa vitória política era extremamente frágil na medida em que estes parlamentos não tinham o controle nem das finanças do Estado nem de suas forças armadas. A conformação desses parlamentos criou a ilusão da conquista do poder político, quando na verdade este só tinha sido arranhado. Assim a burguesia, ainda no calor das insurreições de março, não foi capaz de impor nem mesmo a demissão de funcionários reacionários ou oficiais feudais do exército; contentou-se com a “liberdade” de discutir academicamente e juridicamente o futuro da nação alemã.
Outro problema importante, manifestado na direção política burguesa da revolução democrática foi a sua dispersão. No lugar de uma única Assembleia Constituinte, a existência de vários parlamentos, enfraqueceu a Assembleia Nacional. Uma conquista das insurreições de março é que o sufrágio para sua eleição foi estendido, embora não tenha sido universal, no entanto, entre seus membros prevaleceu a composição burguesa, com advogados liberais e catedráticos das universidades. Não havia operários ou camponeses entre os deputados. Embora, a criação dos parlamentos fosse um avanço político esses não se sustentavam em uma revolução conclusa ou em vias de conclusão, assim a Assembleia Nacional, nas palavras de Engels, havia se tornado o “parlamento de um país imaginário”.
Desde a Nova Gazeta Renana, Marx e Engels analisaram criticamente as posições abstratas e vacilantes da burguesia alemã nos debates das Assembleias Prussiana, Austríaca e na Nacional de Frankfurt. A primeira grande vacilação burguesa foi esta de natureza política: quando as referidas assembleias não buscaram assumir de fato o poder político do Estado, não buscaram conformar um exército sob o domínio da burguesia nem impuseram a conformação de uma única Assembleia constitucional para toda a Alemanha. Esta era a vacilação burguesa frente aos Estados burocrático-feudal-militar da Prússia e da Áustria, com os quais a burguesia ansiava obter acordos conciliatórios.
Como decorrência inevitável desta vacilação política inicial, a burguesia alemã também demonstrará uma enorme covardia no combate à aristocracia feudal e na defesa dos direitos das massas camponesas. Conforme a análise de classes da Alemanha feita por Engels, em Revolução e Contrarrevolução, os camponeses alemães se dividiam em quatro tipos: os camponeses médios e ricos, os camponeses pequenos proprietários, os camponeses servos da gleba e os camponeses sem-terra que alugavam sua força de trabalho. Os camponeses médios e ricos eram aqueles que possuíam suas próprias terras, instrumentos de trabalho e empregavam camponeses sem-terra na produção. Dos camponeses pequenos proprietários, a maior parte estava endividada e eram na realidade pseudo-proprietários, pois suas terras estavam hipotecadas e, na verdade, já pertenciam aos nobres usurários e agiotas. Os camponeses servos da gleba ainda estavam sujeitos a todos os tipos de encargos feudais: a corveia (que é o trabalho gratuito nas terras dos nobres), ao pagamento de renda em produto e de todo tipo de taxas aos aristocratas. Segundo Engels, todos esses quatro tipos de camponeses estavam interessados na Revolução Democrática, particularmente na luta antifeudal.
As massas camponesas mais oprimidas, eram os camponeses servos, que predominavam nas províncias orientais da Prússia e da Áustria. Em geral, esses camponeses servos eram de outra nacionalidade, particularmente os poloneses e letões, que na Prússia eram brutalmente explorados pelos junker2. Nas regiões ocidentais do reino da Prússia, sobretudo na Província Renana, bem como nos Reinos da Baviera e de Baden, no centro-sul da Alemanha, predominavam camponeses pequenos proprietários, seguidos dos camponeses médios e ricos. Nas regiões ocidentais e central da Alemanha, que estiveram sob o domínio burguês de Napoleão, os impostos feudais haviam sido eliminados radicalmente. No entanto, esses tributos foram reimplantados na Alemanha central após o Congresso de Viena (em 1815). Assim a aristocracia feudal ou reconquistou seus direitos sobre os camponeses ou passou a cobrar desses uma indenização por sua emancipação, chamada de “resgate”. Esse resgate nada mais era do que a renda fundiária feudal modificada.
Desde o princípio, quando a questão camponesa foi debatida nas Assembleias de Berlim, Viena e Frankfurt, a burguesia alemã demonstrou enorme vacilação no combate à aristocracia feudal. A reivindicação dos camponeses era clara: fim da servidão hereditária, libertação dos servos da gleba, fim de todas as taxas feudais e cancelamento dos “resgates” cobrados pelos aristocratas feudais. Todavia, assim como no problema político da unificação alemã a burguesia conciliou com as monarquias absolutistas, no problema camponês ela conciliou com a aristocracia feudal. No lugar de propor o fim dos encargos feudais sem indenizações, a proposta burguesa consistiu em eliminar tributos insignificantes para, então, reestabelecer a principal forma de renda feudal: a corveia, o trabalho compulsório gratuito camponês nas terras dos nobres. Sobre esta traição burguesa ao campesinato, Marx assim escreveu na Nova Gazeta Renana: “Em síntese qual é o sentido desta longa lei? É a prova mais contundente de que a revolução alemã de 1848 é apenas a paródia da Revolução Francesa de 1789. Em 04 de agosto de 1789, três semanas após a tomada da Bastilha, em um dia o povo francês deu cabo dos encargos feudais. Em 11 de julho [1848], quatro meses após as barricadas de março os encargos feudais deram cabo do povo alemão (…). A burguesia francesa de 1789 não abandonou um só instante seus aliados, os camponeses. Ela sabia que a base de sua dominação era a destruição do feudalismo no campo, a criação de uma classe de camponeses livres e proprietários. A burguesia alemã de 1848 traiu sem qualquer decoro os camponeses, seus aliados mais naturais, a carne de sua carne, e sem os quais ele é impotente ante a nobreza.” Ou como destacou Engels: “Os camponeses da Prússia, da mesma forma que os da Áustria (…) aproveitaram a revolução para emancipar-se de golpe de todas as travas feudais”, no entanto, “transcorridos três meses de emancipação, logo de sangrentas lutas e execuções militares, sobretudo na Silésia, o feudalismo foi restaurado pela mão da burguesia que havia sido antifeudal até o dia de ontem.”
A posição proletária, na direção oposta das ações burguesas, buscou aproximar-se cada vez mais da luta camponesa. Em vários artigos da Nova Gazeta Renana, Marx, Engels e Wollf expressaram a expectativa da eclosão de uma nova guerra camponesa como aquela de 1525 que havia estremecido a nobreza feudal em toda a Alemanha. No curso da Revolução Democrática alemã, os comunistas completaram o seu Programa Agrário, assimilando a experiência da revolução agrária promovida pelos camponesas na Áustria e na Prússia, sobretudo na Silésia. O avanço dessa posição foi o resultado do manejo da Linha de Massas, feito pela Fração Vermelha da Liga dos Comunistas. Conhecendo de maneira mais aprofundada a luta camponesa, recolhendo as experiências diretas de sua luta, a Nova Gazeta Renana formulou a consigna de expropriação e partilha dos latifúndios feudais e de sua entrega gratuita aos camponeses.
A proclamação da defesa da revolução agrária na Alemanha, como consigna para os camponeses servos da gleba, foi formulada na série de artigos do comunista Guilherme Wollf, publicados entre março e abril de 1849, pela Nova Gazeta Renana. Wollf era um revolucionário veterano, filho de uma família de camponeses servos da região da Silésia. A série de artigos recebeu o título de O bilhão silesiano, este bilhão foi o cálculo feito por Wollf da quantidade de tributos feudais pagos pelos camponeses da Silésia desde a restauração do feudalismo em 1815. E os nobres silesianos, em 1848, exigiam novos tributos para libertarem os servos. Wollf demonstra que, ao contrário, eram estes nobres que deviam aos camponeses; que o “resgate”, a indenização, deveria ser paga pelos latifundiários e não pelas massas: “Aqui somente uma cura radical ajudará. Os barões ladrões têm de devolver seu butim, que eles extorquiram dos camponeses por 30 anos. Eles devem compensar os camponeses por todas as trapaças e fraudes cometidas contra eles. Essa indenização dos nobres bandidos bastará para vestir os nus, alimentar os famintos, curar os enfermos e domar a fome.” No entanto, o resgate do bilhão silesiano, ainda era insuficiente, por isso Wollf, conclama: “para que essas condições não voltem nunca mais, as grandes propriedades, os grandes latifúndios devem ser partilhados.” Em 1848, a Nova Gazeta Renana antecipava o que seria a grande consigna do campesinato russo contra os aristocratas feudais, em 1860: a partilha negra; consigna esta que depois seria retomada por Lenin e pelos bolcheviques na Grande Revolução Socialista de Outubro, em 1917. Este importante artigo da Nova Gazeta Renana foi lido e aprovado em uma massiva assembleia da principal Associação Camponesa da Alta Silésia, que determinou por sua publicação em uma tiragem de 10 mil panfletos.
A burguesia alemã traiu os camponeses quando aprovou as leis de indenização aos aristocratas feudais; traiu à nação alemã ao tentar conciliar a unidade nacional com a conservação dos reinos da Prússia e da Áustria. Por fim, traiu as outras nacionalidades oprimidas pelas monarquias absolutistas. Esta última traição marcou o avanço da contrarrevolução em toda a Alemanha. No segundo semestre de 1848, avançava a luta de libertação nacional polonesa e tcheca. Esses povos lutavam contra um inimigo comum ao povo alemão: os reinos da Prússia e da Áustria. No entanto, quando o exército prussiano esmagou a insurreição polonesa e o exército austríaco, a ferro e fogo, varreu com o levantamento tcheco em Praga, a burguesia germânica saudou as forças monárquicas. Ou seja, a burguesia que fora incapaz de construir um exército revolucionário, que traíra os camponeses em sua luta contra os latifundiários feudais, terminou saudando a ação reacionária dos exércitos monárquicos.
Isso não significou, entretanto, o fim da Revolução Democrática alemã. As forças revolucionárias pequeno-burguesas e, crescentemente, as forças operárias, buscaram bravamente resistir à ofensiva absolutista. Em outubro de 1848, as massas em Viena levantam-se em uma nova insurreição para impedir a dissolução da Assembleia Constituinte húngara pelo exército monárquico austríaco. A insurreição vienense assegura a vitória inicial aos húngaros, mas esses, por sua vez, nas palavras de Engels: falham por não levarem até o fim a luta contra os Habsburgos. Após brava resistência, onde se destacam as forças estudantis, no dia 1º de novembro, a segunda insurreição de Viena foi derrotada. Em Berlim, no dia 9, o exército prussiano dissolvia o parlamento prussiano.
Das frágeis conquistas políticas da burguesia alemã restava de pé apenas a Assembleia Nacional de Frankfurt. Com o triunfo da contrarrevolução em Viena e Berlim, a maioria dos deputados constituintes burgueses havia abandonado Frankfurt e retornado para suas casas. A composição da Assembleia foi assumindo, assim, um caráter pequeno-burguês mais à esquerda. Foi neste período que o camarada Guilherme Wollf, assumiu a cadeira de deputado, pois era suplente pela Província da Silésia. Ainda que bastante claudicante, a Assembleia de Frankfurt, foi transitando para posições republicanas.
No dia 4 de março de 1849, os Habsburgos outorgaram a constituição do Império Austríaco, constitucionalmente, isso colocava a Áustria de fora da unificação alemã. Por isto, a Assembleia de Frankfurt, no dia 28 de março, movida pelo espírito de conciliação com a monarquia absoluta, decidiu eleger o rei da Prússia como Imperador de toda a Alemanha. No entanto, o rei Frederico Guilherme IV não aceitou a coroa do parlamento. Terminava assim a ilusão burguesa de unificar a Alemanha sob os auspícios da Áustria ou da Prússia. Restava-lhe unicamente a república.
No dia 12 de abril, concluem a formulação da Constituição Imperial e na ausência de um imperador, elegeram um Governo Provisório de 30 membros encarregados de implementar o texto constitucional. A Constituição Imperial, sem um imperador, fazia do Governo Provisório um governo republicano. Era um governo sem um exército, mas com uma Constituição. Essa condição, ainda que sem bases objetivas que a sustentassem, correspondia aos anseios democráticos mais avançados da burguesia, da pequena-burguesia, dos camponeses, do proletariado e das nacionalidades oprimidas. Tanto que as Câmaras dos reinos da Prússia, de Hannover, da Saxônia, de Baden e de Wüttemberg se pronunciaram a favor do Governo Provisório e pelo cumprimento da Constituição Imperial. Isso se transformou num grande problema político para a Prússia, e tornou possível uma reviravolta das forças revolucionárias que poderiam derrotar a contrarrevolução e fazer culminar a Revolução Democrática.
A reação política da Prússia foi a realização de um Congresso de príncipes e a concentração de tropas para exigir que os reinos menores dissolvessem as Câmaras que haviam aprovado a Constituição Imperial. A dissolução das Câmaras provocou, no dia 04 de maio, a insurreição de Dresden, capital do reino da Saxônia, quando o povo tomou a cidade e expulsou o rei. Nas províncias prussianas da Renânia e da Westfália, os camponeses convocados pelo exército real se recusaram a marchar e aderiram aos revoltosos. No Palatinado, as massas prenderam os funcionários reais da Baviera e se apoderaram do tesouro público. Em Wüttermberg, o povo obrigou o rei a reconhecer a Constituição Imperial. No reino de Baden, o exército aderiu às massas em luta, forçou a fuga do Grão-Duque e promoveu a eleição para um Governo Provisório.
Diferentemente da insurreição de março de 1848, em Berlim, desta vez a luta mais radical contra o exército prussiano ocorreu nas províncias do interior e nos reinos menores do sul e do centro da Alemanha. As condições políticas e militares eram mais favoráveis, todavia a maioria pequeno-burguesa da Assembleia de Frankfurt também capitulou frente a um embate militar com o reino da Prússia. A Assembleia não reconheceu as insurreições, nem conclamou as forças revolucionárias a se concentrarem em Frankfurt para assegurarem a defesa do Parlamento e do Governo Provisório. Assim, os levantamentos revolucionários em defesa da Constituição aconteceram de maneira dispersa e sem uma direção unificada. Segundo Engels, o comunista Guilherme Wollf era o único deputado verdadeiramente revolucionário em Frankfurt, tanto que quando ele “requereu que a Assembleia colocasse fora da lei o regente imperial, que era (…) o primeiro e maior traidor do Império, esses democratas revolucionários lhe taparam a boca com unânimes gritos de virtuosa indignação.”
A esta altura, Marx e Engels estavam profundamente envolvidos nos acontecimentos revolucionários. Após a insurreição em Dresden, os operários das cidades renanas de Solingen e Düsseldorf se levantaram em uma insurreição. No dia 10 de maio, Engels encabeça um destacamento de quatrocentos operários armados e marcha para a cidade de Eberfeld, perto de Barmen sua cidade natal. Engels dirige em Eberfeld o Comitê de Segurança organizando as defesas da cidade contra o iminente ataque do exército prussiano. No entanto, a presença do conhecido comunista Engels apavorou a vacilante burguesia de Eberfeld, que pressionou para que ele se retirasse da cidade, fato que se deu no dia 14 de maio. No dia 16, o reino da Prússia expede contra Marx um mandato de expulsão do país. No dia 17, é expedido um mandato de prisão contra Engels. No dia 19, após proibição legal, é publicada a última edição, de nº 301, da Nova Gazeta Renana, toda ela impressa em letras vermelhas. Este foi o último exemplar daquele que segundo Lenin foi: “o melhor órgão, insuperável, do proletariado revolucionário.” Marx e Engels saíram de Colônia em direção a Frankfurt a fim de se reunirem com a esquerda da Assembleia Nacional. Nesse encontro Engels apresenta um plano para um levantamento militar coordenado para toda a Alemanha meridional. O plano contudo foi rejeitado pelos deputados pequeno-burgueses.
Estando Karl Marx ameaçado de prisão e perseguido por inúmeros processos da monarquia prussiana, os camaradas decidem por sua transferência imediata para Paris. Engels, junto a outros camaradas da Liga dos Comunistas, fica encarregado de atuar na campanha militar pela Constituição Imperial, que seguiu se desenvolvendo no reino de Baden e no Palatinado. O grande Engels atuou nessa campanha como membro do Estado-Maior do Destacamento comandado pela Liga dos Comunistas, especialmente pelo chefe militar Willich e pelo veterano e fundador da Liga, Joseph Moll. Após ser derrotado no Palatinado, o Destacamento recuou para o reino de Baden, perseguido pelas tropas prussianas. No dia 20 de junho, o Destacamento parte para suas últimas batalhas; no dia 29, cai em combate o camarada Joseph Moll. O Destacamento de Engels, foi o último a se retirar de Baden. No dia 12 de julho de 1849, após cobrir a retaguarda das últimas unidades republicanas, Engels e seus camaradas adentraram no território suíço.
O fim da Campanha pela Constituição imperial marca o triunfo da contrarrevolução feudal e a derrota da Revolução Democrática na Alemanha de 1848-49. Foram um ano e meio de lutas, insurreições e combates. Um período riquíssimo da luta de classes dos povos germânicos, que contou com a atuação direta da Liga dos Comunistas e de seus maiores líderes: Karl Marx e Friedrich Engels. Ambos comunistas atuaram na linha de frente da Revolução Democrática, foram processados e perseguidos. Marx enfrentou a corte prussiana no processo do velho Estado contra a Nova Gazeta Renana; Engels, com sua experiência militar, atuou ativamente, por cinco meses, nas batalhas da campanha do Palatinado. No fogo da luta de classes, o pensamento marx se temperou; no combate contra a reação feudal e contra a vacilação burguesa se forjou para um novo salto em suas formulações. Será desta fornalha que o Marxismo chegará à conclusão que a luta de classe conduz necessariamente à ditadura do proletariado, e que a burguesia europeia não era mais capaz de dirigir, consequentemente, a Revolução Democrática.
Pouco tempo depois de chegar à França, Marx termina sendo expulso de Paris e decide emigrar-se para a Inglaterra. Engels, seu camarada de armas, chegaria à Londres em novembro de 1849. Em março de 1850, os dois comunistas escrevem seu primeiro balanço da revolução alemã: Mensagem da Autoridade Central à Liga dos Comunistas. Nesse documento partidário, ao mesmo tempo que fazem o balanço do fracasso da direção burguesa na Revolução Democrática, alertam para os perigos da influência da pequena-burguesia sobre o proletariado. Como vimos acima, foi a pequena-burguesia que hegemonizou a última fase da revolução alemã (março a julho de 1849). Diante da conclusão que as tarefas democráticas não foram cumpridas e que, portanto, a revolução burguesa seguia pendente na Alemanha, Marx e Engels destacam que dali para a frente a disputa pela direção desta revolução seria com a pequena-burguesia e não mais com a burguesia. A partir da experiência da luta em 1848 e 1849, destacam que a pequena-burguesia buscará deter o processo revolucionário no meio do caminho: “Enquanto os pequeno-burgueses querem por fim à revolução o mais rápido possível (…) nossos interesses e nossas tarefas consistem em fazer a revolução permanente até que o proletariado conquiste o poder de Estado.”
Ou seja, Marx e Engels descobrem que a incapacidade da burguesia alemã em dirigir sua própria revolução devia ser aproveitada pelos comunistas, que através de uma revolução permanente fariam com que a revolução democrática resultasse na ditadura do proletariado. Este foi um grande aporte do Marxismo, resultante da participação e direção direta de Marx e Engels nos tormentosos acontecimentos de 1848/49! Será desta conclusão marxista, que o grande Lenin formulará a tática bolchevique para a Revolução Democrática russa, em 1905, quando estabeleceu que o proletariado armado, em aliança com o campesinato, deveria disputar a direção da revolução burguesa para assim avançar ao socialismo. Por sua vez, foi a partir dessas brilhantes teses Marxistas-Leninistas, que o Presidente Mao Tsetung resolveu o problema das revoluções nos países semicoloniais e semifeudais, como Revoluções de Nova Democracia, isto é, revolução democrática burguesa de novo tipo ininterrupta ao socialismo3.
Após este primeiro balanço, apresentado na Mensagem da Autoridade Central, Marx e Engels seguiram aprofundando a compreensão das tempestades revolucionários de 1848-49. Em 1850, iniciam a publicação da Nova Gazeta Renana – Revista político-econômica. Nela Marx publicou o importantíssimo balanço do processo revolucionário francês: As lutas de classes na França de 1848 a 1850; e Engels buscou aprofundar o balanço da revolução alemã em obras fundamentais: A Campanha pela Constituição imperial alemã e As guerras camponesas na Alemanha. O balanço de Engels sobre a luta alemã se completaria com Revolução e Contrarrevolução na Alemanha, publicada em 1851-52; assim como o balanço de Marx sobre as lutas na França, daquele mesmo período, só se concluiria com seu 18 Brumário de Luís Bonaparte, em 1852.
Nesses balanços posteriores a 1848, podemos ver como que Marx se dedica centralmente à experiência da França e Engels à da Alemanha; no entanto, ambos partiam da mesma ideologia e da mesma experiência prática. Como vimos, as insurreições de Paris, a republicana de fevereiro e a proletária de junho, foram o ponto culminante da luta de classes na Europa naquele ano histórico. Como Engels afirmou, na França a burguesia “fundou o [seu] domínio puro (…) de uma maneira tão clássica como não se viu em nenhum outro país europeu.” E foi sobre esta sociedade clássica que Marx concentrou seus estudos. Será neste balanço que ele, pela primeira vez, formulará a teoria da ditadura do proletariado: “o socialismo é a declaração da permanência da revolução, da ditadura de classe do proletariado como ponto necessário de transição para a supressão das diferenças entre as classes em geral.” Essa formulação, resultante da prática revolucionária do proletariado, representou um importante desenvolvimento das concepções formuladas no Manifesto do Partido Comunista, por isto mesmo foi apresentada também no prefácio à edição deste em 1852, tornando-o assim completo.
A revolução alemã, dado o atraso de sua revolução burguesa, não se desenvolveu na forma pura como a francesa, na oposição clara e evidente entre burguesia e proletariado. Nessa revolução um conjunto de contradições estavam completamente entrelaçadas: da burguesia contra a monarquia absolutista; do proletariado contra burguesia; dos camponeses contra a aristocracia feudal, os junkers; das inúmeras minorias nacionais com os reinos da Prússia e da Áustria; dos pequenos estados alemães contra esses mesmos dois reinos. A história do século XX, por sua vez, particularmente com o advento do imperialismo, demonstrou que esta foi a forma mais universal da revolução proletária. Para ficarmos em alguns exemplos, nas Revoluções Russa, Chinesa, Coreana, Cubana, Vietnamita e Moçambicana a luta de classes que moveu o proletariado para a conquista do poder de Estado não se deu de forma tão explícita como na França de 1848. Em todas essas revoluções, inúmeras outras contradições estavam entrelaçadas com a oposição antagônica entre burguesia e proletariado. Nesse sentido o conhecimento e estudo dos balanços de Engels sobre a revolução alemã de 1848, tem importância imprescindível para as novas gerações de revolucionários. Trata-se afinal, do conhecimento dos fundamentos marxistas da linha proletária para a revolução democrática.
Ademais da conclusão do balanço conjunto de Marx e Engels, apresentado na Mensagem da Autoridade Central, sob a limitação da direção burguesa e pequeno-burguesa na Revolução Democrática, os balanços mais detalhados de Engels destacam o seguinte: na Revolução Democrática o principal aliado do proletariado é o campesinato; o campesinato só pode conseguir a sua emancipação sob a direção proletária; a libertação nacional, bem como sua unificação, só são possíveis se a Revolução Democrática se assenta em uma revolução agrária. Essa última formulação, de grande importância para a Revolução Proletária Mundial no século XXI, foi formulada de maneira muito clara por Engels, quando ele trata da revolução polonesa: “A nação polonesa lhe cabe o mérito de ter sido a primeira a proclamar isto [a necessidade da revolução agrária] entre os povos agrícolas vizinhos. O primeiro intento foi a Constituição de 1791; na insurreição de 1830 Lelewel declarou que a revolução agrária era o único caminho para a salvação do país, mas a Assembleia reconheceu isto já demasiado tarde; nas insurreições de 1846 e 1848, a revolução agrária foi proclamada abertamente.”
Engels analisa detalhadamente como que, após a traição burguesa ao campesinato, lhe resta o proletariado como fiel e seguro aliado: “Depois que a burguesia deixou passar a oportunidade de liberta-lhes da servidão, como era seu dever, não custará trabalho convencer-lhes de que só podem esperar a libertação das mãos da classe operária.” Destaca também como que no capitalismo, cuja tendência geral é para o empobrecimento do campesinato, apesar de seu apego a propriedade privada, os camponeses estão socialmente muito mais próximos do proletariado. Os camponeses que cultivam seu próprio pedaço de terra, “na maioria dos casos estão tão sobrecarregados de hipotecas que dependem do usurário tanto quanto o arrendatário do latifundiário. Tampouco a eles lhes resta mais que um mísero salário, muito instável ademais, já que dependem dos altos e baixos da colheita. Menos do que ninguém podem esperar algo da burguesia, pois são explorados precisamente pelos burgueses, pelos capitalistas usurários.” E Marx complementaria essas formulações de Engels sobre a Revolução Democrática na Alemanha, estabelecendo uma conclusão fundamental. Tanto o campesinato dependia da direção proletária, quanto a classe operária para sua emancipação demandava necessariamente a aliança com o campesinato. Por isso Marx afirmou que: “tudo na Alemanha dependerá da possibilidade de apoiar a revolução proletária por uma espécie de segunda edição das guerras camponesas.”
Outra formulação importantíssima, estabelecida por Engels, pela primeira vez, em 1848, é a de que uma Revolução Democrática vitoriosa demanda a luta de seu povo pela libertação das nacionalidades oprimidas pelo velho Estado de seu país: “A instauração de uma Polônia democrática é a primeira condição para que possamos instaurar uma Alemanha democrática.” Da mesma forma que Marx posteriormente, no mesmo sentido, afirmaria que: “a Irlanda é o único ponto em que se pode desferir o grande golpe contra a Inglaterra oficial.”
Os balanços de Marx e Engels, sobre a Revolução Democrática alemã de 1848, podem assim ser sintetizados: a luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; na revolução democrática o papel dos comunistas é um revolucionamento permanente que conduza à ditadura do proletariado; o triunfo da revolução proletária na Alemanha deve se apoiar numa guerra camponesa; a revolução agrária é o único caminho para a libertação nacional; o proletariado em sua luta contra a monarquia luta pelo estabelecimento de uma república una e indivisa; somente libertando os povos oprimidos (poloneses, tchecos, húngaros, etc) pode a Alemanha ser democrática.
2.3 A Revolução Democrático-Burguesa pendente na Alemanha, 1850 e 1860
Este foi o balanço marxista da Revolução Democrática alemã. No entanto, rapidamente ele foi combatido por correntes socialistas pequeno-burguesas ainda na década de 1850. Ferdinand Lassalle, que ainda jovem havia participado com Marx e Engels, do processo revolucionário de 1848, foi o primeiro a contestar abertamente essas conclusões; formulando assim uma linha oportunista para a revolução alemã. Quem vanguardeou a luta contra o oportunismo de Lassalle e dos lassallistas, no que diz respeito à revolução na Alemanha, foi o grande Friedrich Engels, numa luta de duas linhas que marcou profundamente a nascente social-democracia alemã. Assim, a partir do balanço marxista das revoluções de 1848 e do embate contra a linha oportunista lassallista, conformou-se a linha de Engels da Revolução Democrática alemã, que desenvolveu as conclusões marxistas nas novas condições que se gestaram na Alemanha a partir dos turbulentos acontecimentos das décadas de 1850 e 1860, que culminariam na pseudo-unificação alemã de 1871.
A década de 1850, será marcada politicamente por uma posição extremamente defensiva da burguesia alemã e por um desenvolvimento ainda incipiente do movimento operário. Do ponto de vista econômico, houve um avanço da indústria e do comércio, mas o que se seguiu à vitória da contrarrevolução alemã, em 1849, foi um fortalecimento político dos junkers na Prússia e do expansionismo colonial da Áustria na região dos Balcãs. Com a burguesia liberal derrotada e com o proletariado ainda sem forças para intervir ativamente na luta de classes, a luta em torno da unificação alemã foi marcada, neste período, principalmente pela disputa entre os Reinos da Áustria e da Prússia. Ambas monarquias, dos Habsburgos e dos Hohenzollern, intensificaram a disputa pela hegemonia política e militar dos 36 Estados germânicos. Essa disputa não se dava em torno de uma unificação nacional revolucionária, era sim uma rinha entre duas famílias reais feudais pela coroa de um futuro Império. Essa disputa culminou numa gerra civil reacionária, em 1866, entre Áustria e Prússia, uma guerra dinástica entre as monarquias dos Habsburgos e dos Hohenzollern. O resultado dessa guerra dinástica foi a criação de dois Impérios, o Império Alemão, comandado pela Prússia e o Império Austro-Húngaro dominado pelos Habsburgos.
Num primeiro momento, a Áustria com o avanço de seu domínio colonial nos Balcãs ganhou forças e assumiu a hegemonia da Confederação Germânica. No entanto, após seus enfrentamentos com o Império Russo, na guerra da Crimeia, começou a perder forças e a ter sua posição cada vez mais contestada pela Prússia. O reino prussiano, por sua vez, após 1849, passou a ser cada vez mais dominado pelos latifundiários junkers, que tinham um enorme peso no exército real, força militar que havia sido decisiva para esmagar a Revolução Democrática. Os junkers tinham alta simpatia pelo czarismo russo, pois juntos subjugavam a Polônia e oprimiam os camponeses poloneses. Isso facilitou a busca de alianças com o czarismo russo contra a Áustria.
Naquela época, começava a emergir na política prussiana a figura de Otto von Bismarck, líder político dos junkers, que aparece inicialmente como representante destes na Dieta Federal (órgão consultivo da recriada Confederação Germânica) e logo como Primeiro-Ministro do reino da Prússia. Bismarck vanguardeou a posição reacionária de unificação alemã por meio da guerra dinástica da Prússia contra a Áustria; e para isso defendeu a aliança, não só com o czarismo russo, mas também com o Segundo Império da França. Naquele período quem estava a frente do Estado francês era Luís Bonaparte, o Napoleão III4; que havia sido eleito presidente da república em 1849, mas dois anos depois havia dado um golpe de Estado, apoiado no exército reacionário, para recriar o império. Afundado em uma crescente crise econômica, o Império napoleônico necessitava urgentemente de conquistas militares para salvar as finanças do Estado, particularmente de sua dispendiosa burocracia. Nessas condições, Napoleão III trama com o rei da Sardenha um ataque contra a região norte da Itália, a Lombardia, que era dominada pelo reino da Áustria. Demagogo e populista que era, Napoleão III fez passar essa disputa como um apoio do Segundo Império francês à causa da unificação italiana.
Essas foram as circunstâncias políticas que antecederam a guerra franco-ítalo-austríaca, em 1859. A posição prussiana, cada vez mais encabeçada por Bismarck, foi a de declarar-se neutra no conflito, mas o que de fato fez nos bastidores, foi apoiar o ataque de Napoleão contra as posições austríacas. O posicionamento do proletariado nesta questão não era um problema simples, pois de fato o reino da Áustria oprimia a ferro e fogo a região italiana da Lombardia e a cidade-livre de Veneza. Desde 1848, havia um crescente movimento italiano pela expulsão da Áustria como parte da luta por unificar a Itália (então dividida em 10 Estados). Os reacionários austríacos, por sua vez, queriam ganhar a opinião pública de toda a Alemanha na defesa de seu domínio territorial da Lombardia. O argumento dos Habsburgos era que o domínio militar do norte da Itália era fundamental para assegurar a proteção das margens do rio alemão Reno que eram cobiçadas pelo Império francês. Assim diziam que o Reno alemão deveria ser defendido no rio Pó italiano.
Foi em torno desta questão, que pela primeira vez ocorreu o embate entre a linha marxista de Engels para a Revolução Democrática na Alemanha e a linha pequeno-burguesa de Lassalle. Em 1859, Engels escreveu a importantíssima obra O Pó e o Reno, que foi rebatida por Lassalle no mesmo ano com o seu libelo oportunista, A guerra italiana e a tarefa da Prússia. Em 1860, Engels arremataria a questão com o seu Savóia, Nice e o Reno.
A posição de Engels expressou de forma muito clara a concepção proletária para a unificação alemã, buscando demarcar tanto com as posições reacionárias dos Habsburgos quanto com as dos Hohenzollern. Iniciou combatendo os argumentos da monarquia austríaca e o fez, esmiuçando as condições militares que mostravam ser falsa a tese de que o Reno deveria ser defendido no Pó. Mostrou como que a ocupação da Lombardia só fazia dos italianos inimigos dos alemães e aliados potenciais dos franceses. Argumentou que para uma Alemanha unificada não havia a menor necessidade de manter esta região da Itália conquistada, pois o sul das terras germânicas contavam com os Alpes como defesa natural, de maneira que a possibilidade de um ataque francês partindo da Itália poderia ser rapidamente repelido. Revelou assim, que a ocupação da Lombardia, só era necessária para a defesa de uma Áustria separada dos restantes estados alemães. Concluía, então, que a melhor defesa dos alemães contra uma ameaça francesa era: primeiro, se unificarem em um mesmo Estado; e segundo, libertar a Lombardia e apoiar a unificação italiana. Uma Alemanha unificada e uma Itália unificada seriam inevitavelmente aliadas contra um ataque colonial francês.
Por outro lado, Engels combatia também a falsa “neutralidade” prussiana no conflito. Mostrava que um ataque francês à Áustria era um ataque a toda Alemanha. Que este ataque do Império napoleônico fazia parte de uma conspiração com o czarismo russo que buscava impedir a unificação revolucionária da Alemanha. Que a suposta defesa da liberdade e unificação italiana, apregoada por Napoleão III, era uma fraude; que seu verdadeiro objetivo era assegurar o domínio francês da Lombardia e fortalecer suas posições para uma futura conquista das margens do Reno. Assim, Engels fazia, indiretamente, uma crítica à direção do movimento nacional-revolucionário italiano que alimentava esperanças em ter Napoleão III como um aliado de sua justa causa. A conclusão para a qual Engels aponta era a de que um ataque do império francês podia reacender o sentimento nacional-democrático alemão. Sua avaliação, que aparece explícita nas cartas trocadas com Marx neste período, é que a repulsa do ataque francês poderia se converter numa guerra nacional revolucionária contra o império francês e o czarismo russo, guerra esta que seria o único caminho possível para uma unificação revolucionária de todos os 36 Estados alemães, a chamada Grande Unificação.
A posição de Lassalle foi a oposta! O seu panfleto é escrito sob um ponto de vista prussiano e não alemão. Ele inicia seu argumento, de maneira bem oportunista, se apoiando na justa causa das massas italianas da Lombardia contra jugo da monarquia austríaca. Defende que a Prússia não poderia intervir na guerra para assegurar as posses coloniais dos Habsburgos. Dessa maneira Lassalle aparenta até ser um defensor das lutas de libertação nacional. Mas isso se revela falso quando ele não faz nenhuma crítica aos domínios do reino da Prússia na Polônia, nem nada diz das condições feudais de opressão dos junkers sobre os camponeses poloneses. Ao contrário, a “tarefa da Prússia” que aparece no título de seu libelo é dirigir uma guerra dinástica contra os Habsburgos. Lassalle defende assim que o proletariado e os democratas deveriam se unificar em torno da monarquia prussiana para derrotar os austríacos. E nessa guerra dinástica ele clama abertamente o apoio de Napoleão III para a destruição da Áustria; afirma que embora seja um homem mal estava envolvido numa “boa causa”. E para reforço de sua posição, da aliança com a monarquia, para uma causa “justa” ele recorre ao posicionamento de Proudhon que havia escrito uma carta à família real francesa em busca de uma aliança para sua “revolução social”. De maneira consequente com sua posição pró-prussiana, Lassalle defende então que a unidade alemã não precisa necessariamente ser uma República Democrática:
“Independente de como se pensa sobre a forma dessa unidade, se pensamos nela como uma república alemã, como um império alemão ou, finalmente, como uma federação rígida de estados independentes – todas essas questões podem permanecer em aberto no momento. Em todo caso, todas essas partes, se tiverem inteligência para se compreenderem, devem trabalhar juntas na condição essencial para cada um desses casos: a aniquilação da Áustria. (…) Napoleão está prestes a realizar este trabalho preparatório para a constituição da unidade alemã.” (Ferdinand Lassalle, A guerra italiana e a tarefa da Prússia)
Em pouco tempo, ficaria claro que além de defender a tarefa da Prússia na guerra dinástica, Lassalle também trabalharia para a conformação não de uma república, mas justamente do Império Alemão-Prussiano. Evidentemente, que a posição de Lassalle era uma negação completa da experiência da Liga dos Comunistas na Revolução Democrática de 1848, de seu programa, dos artigos publicados na Nova Gazeta Renana bem como dos balanços realizados por Marx e Engels. Lassalle defendia duas questões inadmissíveis para o proletariado alemão: o apoio à Prússia e a defesa de que a França cumpriria o papel de unificar a Alemanha. Lassalle revela neste seu texto de 1859 sua posição pró-prussiana e pró-junker, que anos mais tarde seriam comprovadas por sua correspondência secreta com Bismarck.
Mesmo sem saber dos acordos escusos de Lassalle e Bismarck, Engels e Marx combateram frontalmente aquelas posições oportunistas. Os próprios acontecimentos históricos decorrentes da guerra de 1859 confirmaram completamente as análises de Engels. Afinal, como resultado da guerra, o exército austríaco foi forçado a desocupar a Lombardia, mas no lugar da unificação italiana, o que Napoleão III “deu” à Itália foi a sua repartilha: ficando o centro e o sul sob o controle da Igreja Católica, a cidade de Veneza com os austríacos e a Lombardia sob o domínio francês, domínio este assegurado pela anexação das cidades italianas de Nice e Savóia ao Império francês. A “boa vontade” de Napoleão III, propagada falsamente por Lassalle, ficou exposta. É o que Engels demonstra no texto de 1860, Savóia, Nice e Reno, quando desmascara a aliança franco-russa contra a Alemanha; na qual, se propunha seguinte partilha do butim: enquanto os Balcãs ficariam com a Rússia, o Reno ficaria com a França. Mais uma vez as duas potências pretendiam saciar seus apetites às custas da derrota da unificação alemã, que cada vez mais só poderia ser efetivada por uma guerra nacional revolucionária.
A derrota da Áustria, em 1859, fortaleceu a posição dos junkers na Prússia e seu plano de unificação alemã reacionária. Em 1862, Bismarck é escolhido pelo rei da Prússia como Primeiro-Ministro do Estado prussiano. Neste mesmo período, Lassalle impulsiona uma agitação reformista entre o proletariado, tendo como centro a defesa da unificação alemã, pela via prussiana, e a conformação de uma monarquia constitucional, através de um parlamento eleito por sufrágio universal. Defendia assim uma posição oportunista quanto as questões nacional e democrática. Como resultado de sua propaganda conseguiu conformar, em 1863, a Associação Geral dos Operários, sobre a qual impôs suas concepções oportunistas e socialistas pequeno-burguesas. Numa posição, aparentemente de esquerda, ele centrava seus ataques contra a burguesia liberal, enquanto não dirigia nenhuma crítica à monarquia ou aos junkers. O ataque à burguesia, na verdade, escondia sua aliança secreta com os latifundiários feudais.
Em 1864, após a morte repentina de Lassalle, a presidência de sua Associação ficou com outro advogado oportunista, Schweitzer. Nesse período, o já veterano revolucionário Guilherme Liebknecht, havia informado a Marx e Engels sobre a descoberta das primeiras correspondências entre Bismarck e Lassalle. Tais correspondências revelavam de maneira explícita o acordo de Lassalle com o Primeiro-Ministro da Prússia, que consistia no apoio da sua Associação oportunista à anexação de duas Províncias, as de Schleswig e Holstein ao reino da Prússia. Em troca deste apoio, Bismarck prometia a Lassalle a implantação do sufrágio universal. Essa revelação apenas confirmara para Marx e Engels a natureza oportunista do socialismo pequeno-burguês de Lassalle. Nas outras cartas, que só seriam descobertas em 1927, aparecem a defesa aberta da monarquia por Lassalle:
“Esta miniatura servirá como prova convincente de que os trabalhadores se sentem, de fato, instintivamente, atraídos para uma ditadura, se fosse possível convencê-los de forma adequada que esta ditadura será realizada em seus interesses, e que (…) estariam inclinados, apesar das convicções republicanas, (…) a ver na coroa a portadora natural de uma ditadura social em oposição ao egoísmo da sociedade burguesa, desde que a coroa (…) decida caminhar verdadeiramente pelo caminho revolucionário e nacional, e converter-se, de uma monarquia de camadas privilegiadas, em uma monarquia social e revolucionária.” (Carta de Ferdinand Lassalle à Otto von Bismarck, junho de 1863)
À época, Marx e Engels não tinham conhecimento dos detalhes deste posicionamento de Lassalle. Mas com seu sentido proletário acurado, perceberam os erros políticos de Lassalle e da Associação lassallista. Em 1865, há outro importante embate da linha de Marx e Engels contra o lassallismo. A luta ocorreu em torno do debate sobre a reforma do exército prussiano, discutida na Câmara do reino. A proposta do Estado era de ampliar o orçamento militar e aumentar o número de soldados. Engels escreve, então, o importantíssimo trabalho A questão militar prussiana e o Partido Operário Alemão. Inicialmente, Engels analisa a proposta do reino e critica a posição da burguesia liberal e, em seguida, critica a posição da Associação lassallista.
Na sua crítica às posições burguesas, Engels irá defender que o alistamento militar universal não era um problema para a causa nacional-democrática alemã. Que quanto mais massas recebessem instrução e treinamento militar, mais fraca seria a condição de sustentação do antigo regime. Engels destaca que enquanto a cavalaria possuía um caráter iminentemente aristocrático, a infantaria era, naquele período histórico, necessariamente democrática, pois era composta pelas massas do povo que odiavam o sistema prussiano de opressão. Mostra, então, que a cavalaria pouco podia frente as barricadas, e estando com a infantaria a seu lado, a causa democrática conseguiria derrotar qualquer tentativa de golpe de Estado. Defende, então, que a reforma militar prussiana não representava uma ameaça contra a causa democrática, e que, portanto, deveria ser aprovada na Câmara, mas na condição de que nesta aprovação a burguesia devesse pressionar a monarquia para arrancar dessas reformas democráticas que enfraquecessem o absolutismo, como a liberdade de imprensa, o direito de associação, etc. Por sua vez, Engels aproveitará a situação para retomar as críticas à burguesia alemã, demonstrando como esta classe vacilante havia abandonado suas próprias bandeiras democráticas e estava numa posição de acomodação frente às liberdades à conta-gotas fornecidas pela reação feudal.
Engels pontua isto para reforçar a necessidade do Partido Operário Alemão tomar para si as bandeiras da Revolução Democrática. De que a burguesia não fará esta revolução, mas que pode ser forçada a participar dela, desde que o proletariado assuma essas bandeiras como parte inseparável de sua luta pela emancipação social. Engels inicia então a crítica a Associação lassallista, que muito critica o capitalismo, mas que não abria a boca para criticar em nada o latifúndio e o absolutismo:
“Que aqueles que nunca param de criticar os capitalistas, mas nunca pronunciam uma palavra de ódio contra os senhores feudais levem isso a sério! Os feudalistas exploram duas vezes mais trabalhadores na Alemanha do que a burguesia: na Alemanha, eles são tão diretamente opostos aos operários quanto os capitalistas.”
Engels critica então o movimento operário inglês, francês e alemão, que após 1849, abandonou a defesa das bandeiras democráticas. No caso da Alemanha, Engels destaca que a tarefa imediata, portanto, a contradição principal, é a derrota da reação feudal. Que nesta luta o proletariado deve defender as bandeiras democráticas burguesas, pois a derrota urgente do feudalismo abriria as perspectivas para o confronto aberto e direto contra a burguesia. Mostra então, como que o programa monárquico é muito mais antioperário do que o programa democrático. Revela como que a propaganda feudal contra a burguesia não tem nenhuma identidade com as aspirações proletárias, pois a reação feudal baseia-se em:
“suprimir ou pelo menos obstruir o desenvolvimento social atual. Caso contrário, todas as classes possuidoras serão gradualmente transformadas em capitalistas e todas as classes oprimidas em proletários, e no processo o partido reacionário desaparecerá por sua própria natureza. Para ser consistente, a reação realmente tentará se desfazer do proletariado, porém não através da associação, mas transformando os proletários atuais em jornaleiros de guildas ou restaurando-os a um estado de semi ou completa servidão camponesa. Essa restauração é do interesse dos nossos proletários?”
Nesses pontos Engels está atacando diretamente as posições de Schweitzer, que fiel seguidor de Lassalle, publicou no jornal da Associação uma série de artigos denominados O Ministério Bismarck, nos quais faz uma defesa aberta daquele que ficaria conhecido pela história como o “chanceler de ferro”. Os ataques de Engels, no entanto, foram muito importantes pois foram abrindo caminho para o surgimento de uma outra corrente no movimento operário alemão, que alguns anos depois, em 1869, sob a liderança de Liebknecht e Bebel criariam o Partido Socialdemocrata da Alemanha (SPD).
Pouco tempo depois desta segunda polêmica pública com o lassallismo, eclode na Alemanha a guerra austro-prussiana. O conflito dinástico que vinha se gestando desde 1849, encontrou sua forma antagônica na disputa aberta entre os dois Estados. A guerra ocorreu em 1866, um ano depois do final da guerra civil norte-americana. Esta coincidência de datas serve-nos apenas para revelar o caráter reacionário da primeira frente ao caráter revolucionário da segunda. No EUA, a guerra entre os Estados do Norte da União contra os Estados Confederados do sul, iniciou-se como uma disputa por hegemonia que tendia para uma vitória militar destes, como destaca Engels em suas análises, chegando, inclusive, a indicar que somente uma revolução poderia fazer com que o norte vencesse o sul. E é isto justamente que ocorrerá em 1863, quando os estados do norte da União, vanguardeados por Abraham Lincoln, decidem pela abolição da escravidão. Com esta decisão pela revolução social, as massas negras aderem com vigor à causa unionista e impõe uma derrota aplastante aos confederados. A guerra civil norte-americana, transformara-se assim em uma guerra civil revolucionária5.
A guerra austro-prussiana não teve de forma alguma este caráter. As forças contendentes, Habsburgos ou Hohenzollern, não defendiam qualquer bandeira democrática. Sequer havia ao menos qualquer consigna burguesa. Nada se disse sobre o fim do absolutismo, nada sobre uma unidade nacional sem o domínio de uma determinada dinastia e sobre a libertação dos povos oprimidos pelos reinos da Prússia e da Áustria; nada sobre o direito à terra para os camponeses. A disputa centralmente se deu em torno de qual dinastia hegemonizaria a unificação alemã, se os Habsburgos ou se os Hohenzollern. A guerra terminou de maneira muito rápida com a vitória do reino da Prússia, embora tenha a maioria dos estados alemães se unido em torno da Áustria.
Essa vitória significou um grande sucesso para a política de Bismarck, abertamente defendida então por Ferdinand Lassalle, já finado quando de seu triunfo. O seu resultado prático, serviu mais uma vez para comprovar os erros e o oportunismo desta linha pequeno-burguesa. Após a guerra, o reino da Prússia não libertou a Alemanha, ao contrário, ele conquistou novos Estado para o seu domínio. O resultado da guerra austro-prussiana não foi um passo em direção a uma unidade alemã, como propalava Lassalle, mas sim um passo para a conquista da Alemanha pelo reino da Prússia. Este foi o resultado objetivo da linha de Lassalle. No movimento operário alemão, as posições de Liebknecht e Bebel, com o apoio da recém-criada I Internacional, rapidamente ultrapassaram a organização lassallista. Schweitzer, por sua vez, manter-se-ia a reboque dos junkers prussianos até a dissolução de sua Associação.
Esta foi uma primeira e importante vitória da linha de Marx e Engels, mas como veremos não seria definitiva. A linha de Lassalle, como variante do socialismo pequeno-burguês, ainda causaria muito dano ao movimento revolucionário alemão. Os principais pontos desta linha podre para a revolução alemã eram os seguintes: a) a unificação da Alemanha se daria sob os auspícios do reino da Prússia e o apoio de potências reacionárias estrangeiras; b) defesa do sufrágio universal como via para a democratização da Alemanha; c) a democratização da Alemanha correspondia a conformação de uma monarquia constitucional; d) defesa da aliança com os nobres e os junkers contra a burguesia democrática; e) consideração de que afora o proletariado, todo o resto da sociedade constituía uma “massa reacionária” (dentro da qual estariam camponeses e nacionalidades oprimidas); f) defesa de cooperativas de trabalhadores financiadas com o capital do velho Estado.
Por sua vez, a linha de Marx e Engels da Revolução Democrática alemã, como desenvolvimento do balanço marxista das revoluções de 1848 e 1849, se consolidou em torno das seguintes bandeiras: a) a unificação alemã deve ser uma unificação por baixo, pela via democrática revolucionária; b) esta unificação deve se dar em luta contra a reação feudal e as potências reacionárias (França e Rússia), através de uma guerra nacional revolucionária; c) a revolução democrática na Alemanha seguia pendente e, portanto, a reação feudal era o inimigo principal do proletariado alemão; d) a burguesia alemã se acomodou com as liberdades concedidas pela aristocracia e, portanto, não levaria a frente sua própria revolução; o proletariado deve assumir essas bandeiras como condições necessárias a sua emancipação; e) a libertação das nações oprimidas pelos reinos alemães é condição para a libertação da própria Alemanha.
2.4 Revolução Burguesa inconclusa: a prussificação da Alemanha (1871)
Com a derrota da Áustria, em 1866, o junker Bismarck e a monarquia militar prussiana, avançaram em seus planos de prussificação da Alemanha. Este plano passava pela concertação de um acordo com a burguesia liberal, que era o mesmo defendido por Lassalle no movimento operário. Em troca do apoio da burguesia e do oportunismo à política de anexação prussiana dos estados alemães, Bismarck concedeu a conformação de um parlamento eleito por sufrágio universal (universal no sentido de não censitário, pois o voto feminino continuaria sendo proibido). Em 1867, ocorrem as eleições para este parlamento da então Confederação da Alemanha do Norte, todavia o parlamento prussiano seguia existindo e sendo eleito pelo voto censitário.
Liebknecht e Bebel foram eleitos para o Parlamento da Confederação, da mesma forma que o lassallista Schweitzer. Estava-se às vésperas da guerra franco-prussiana que eclodiria no segundo semestre de 1870. Essa guerra se inicia com o ataque de Napoleão III contra a Prússia visando anexar os territórios da margem esquerda do Reno. Por isso, logo que a guerra se desencadeia, a I Internacional emite uma declaração condenando o bonapartismo francês e defendendo o direito do povo alemão a se defender. Esta guerra, mais uma vez, teve um desenlace muito rápido e, na batalha de Sedan, o próprio Napoleão III foi feito prisioneiro de guerra pelo exército prussiano. O Segundo Império desmoronou-se imediatamente. Em Paris, a burguesia proclamou a Segunda República e conformou-se um governo de salvação nacional. Após a batalha de Sedan, o caráter reacionário da guerra prussiana se tornou evidente, quando Bismarck exigiu da França a cessão dos territórios da Alsácia e Lorena. A I Internacional emite, então, uma segunda declaração na qual ataca os interesses reacionários prussianos e convoca o movimento operário a se unificar em torno do governo provisório para a defesa de Paris.
A posição da I Internacional teve enorme impacto na França, os operários reforçaram a Guarda Nacional e assim Paris resistiu ao cerco do exército prussiano. Desde o Parlamento da Confederação Alemã, os comunistas Bebel e Liebknecht, representaram de forma corajosa a posição da Internacional, denunciando a ofensiva reacionária prussiana e defendendo uma paz sem anexações com o governo republicano. Bebel, Liebknecht e alguns democratas alemães foram presos pelo governo prussiano acusados de traição nacional. Enquanto isso Schweitzer votava a favor dos créditos de guerra exigidos por Bismarck.
Após a batalha de Sedan, o exército prussiano manteve Paris sob forte cerco. As tropas prussianas ocupam então Versalhes e o histórico palácio da monarquia absolutista francesa. Na Alemanha, aproveitando-se do espírito chauvinista resultante das vitórias na guerra franco-prussiana, Bismarck avança em seus planos de prussificação. No dia 18 de janeiro, o rei da Prússia, Guilherme I, foi coroado Imperador Alemão nas dependências do palácio de Versalhes, à 14 km da Paris sitiada. No dia 14 de abril de 1871, a Constituição do Império Alemão foi aprovada pelo Parlamento da Confederação Alemã. Este foi o ato político-formal no qual ocorreu a pseudo-unificação alemã, que de fato só representou a prussificação da Alemanha.
Nesse ínterim, no dia 28 de janeiro de 1871, a burguesia francesa capitulava diante do cerco prussiano, aceitando ceder a Alsácia e a Lorena para o reino da Prússia e por exigência de Bismarck concordava em desarmar a Guarda Nacional. No dia 18 de março, tropas francesas tentam desarmar a Guarda Nacional, mas esta não aceita, derruba o Governo francês capitulador de Adolf Thiers e proclama a Comuna de Paris. Fugindo da capital francesa o governo burguês se abriga no palácio de Versalhes sob a proteção do exército prussiano. Como o grande Marx destacaria na sua obra fundamental A Guerra civil na França, um dos grandes erros da Comuna foi não ter marchado imediatamente sobre Versalhes para derrotar completamente o governo burguês e expulsar as tropas da Prússia da França. Essa indecisão da Comuna, permitiu que a reação francesa se reorganizasse e preparasse um ataque final contra Paris. No dia 10 de maio, em Frankfurt, o governo burguês contrarrevolucionário de Versalhes e o recém-criado Império Alemão, assinam em definitivo o tratado de paz da guerra franco-prussiana. A burguesia francesa entregava a Alsácia e a Lorena para a Prússia e em troca recebia o apoio das tropas desta para esmagar a Comuna. No dia 28 de maio de 1871, tropas reacionárias francesas, apoiadas pela artilharia prussiana, derrotavam a Comuna de Paris, que seria imortalizada por seu heroísmo em defesa da nação francesa e pelo pioneirismo na história da revolução proletária mundial.
A chamada unificação alemã, se realizava, então, com a anexação de territórios franceses ao Império Alemão e com o esmagamento do primeiro governo operário da história. Esse foi o resultado do caminho reacionário de Bismarck, apoiado desde o início por Lassalle e defendido posteriormente pelos lassallistas. Evidente, que esta era uma falsa unificação, que não era o resultado de uma revolução democrática, de uma guerra nacional revolucionária ou mesmo de uma guerra civil revolucionária. A pseudo-unificação alemã, ocorreu sob o comando da monarquia militar prussiana dos Hohenzollern e do governo junker-feudal de Bismarck. Nessa unificação ficava de fora o Estado da Áustria; no entanto, como Engels destacaria, esta unificação sem os austríacos, não foi a realização de uma Pequena Alemanha, mas sim de uma Grande Prússia.
De 1866 à 1871, o reino da Prússia expandiu seu território anexando outros estados alemães. Anexou os grandes territórios do reino de Hannover e dos ducados de Schleswig e Holstein, além de 10 pequenos estados ao norte do rio Meno. De maneira que o Império Alemão estava constituído de 26 estados, no entanto, um destes estados, o reino da Prússia detinha 75% do território do Império e 75% de sua população. As regiões econômicas mais importantes do Império, industriais a oeste e agrícolas a leste, estavam no reino da Prússia. Conforme a constituição de Bismarck, o imperador alemão seria sempre o rei da Prússia; o Primeiro-Ministro do reino da Prússia, por sua vez, seria o chanceler (chefe de governo) do Império; e o Parlamento da Prússia teria maiores poderes do que o Parlamento do Império, o famoso Reichstag. Enquanto o Reichstag era eleito por sufrágio universal (masculino) o parlamento prussiano seguia sendo eleito pelo voto censitário e era conformado principalmente por junkers. Por isso Engels chamou esta pseudo-unificação de “prussificação da Alemanha”.
Os resultados da guerra civil reacionária entre Áustria e Prússia tiveram impactos profundos no desenvolvimento da sociedade alemã como um todo e nas perspectivas de sua Revolução Democrática. No período de 1866 a 1871, ocorrem significativas reestruturações do velho Estado. O reino da Áustria se transforma no Império Austro-Húngaro e o reino da Prússia no Império Alemão; essa configuração sob o domínio, respectivo, dos Habsburgos e dos Hohenzollern se manteria praticamente intacta até o final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, quando finalmente ambas monarquias seriam derrubadas.
Essa reestruturação do velho Estado prussiano criou as condições que permitiram um impulsionamento da indústria e do comércio do Império Alemão, como nunca visto desde então. Num primeiro momento, a classe hegemônica seguiu sendo os junkers, mas em estreita aliança com uma ambiciosa burguesia industrial. Durante 20 anos, o junker Bismarck seguiu como Chanceler do Império, assumindo uma forma particular de governo burguês. Em 1875, Engels analisa da seguinte maneira o processo de prussificação da Alemanha:
“Deste modo, a Prússia lhe há correspondido o peculiar destino de culminar a fins deste século, e na forma agradável do bonapartismo, sua revolução que se iniciou em 1808-1813 e que deu um passo de avanço em 1848. E se tudo marcha bem, se o mundo permanece quieto e tranquilo e nós chegamos a velhos, talvez em 1900 veremos que o governo prussiano acabou realmente com todas as instituições feudais e que a Prússia alcançou por fim a situação em que se encontrava a França em 1792.”
Ou seja, Engels analisa que a revolução burguesa na Prússia se dera de tal forma em 1871, que somente em 1900 se culminaria ali os resultados atingidos pela França em 1792. Aquilo que a Revolução Francesa gastou 3 anos para resolver, isto é, o fim do feudalismo e a proclamação da República, a Prússia, no ritmo em que as coisas andavam demoraria 30 anos. Isso nos remete diretamente ao que Lenin chamaria de via prussiana para o desenvolvimento do capitalismo no campo. Engels aqui está destacando a lentidão da via prussiana de transformação burguesa do velho Estado. E é bom salientar que nem essas projeções de Engels se cumpriram, pois em 1900 o Império alemão seguia com o sistema dos junkers intacto e com a mesma monarquia semiabsolutista.
No entanto, apesar da conservação de uma superestrutura semifeudal e de manter intacta a propriedade dos junkers, o capitalismo se desenvolveu na Alemanha. Por isso, pode-se dizer que o processo da revolução burguesa iniciada em 1808-1813, com a guerra nacional revolucionária contra Napoleão Bonaparte I, e impulsionada com a tempestade democrática de 1848, era na Alemanha de 1870, uma revolução burguesa inconclusa. Este caráter peculiar da sociedade alemã, tão diferente neste aspecto das sociedades inglesa, francesa ou estadounidense e tão mais próximo da sociedade russa, foi caracterizado por Engels como um bonapartismo prussiano.
“(…) o bonapartismo é a real religião da burguesia. Estou começando a perceber que a burguesia não está preparada para governar diretamente, e que, portanto, onde não há oligarquia (como a inglesa) preparada para governar no interesse da burguesia em troca de recompensas liberais, uma semiditadura bonapartista é a forma normal de governo burguês.” (Carta de Engels a Marx, 13 de abril de 1866)
Partindo das análises de Marx sobre a reação absolutista na França de 1850, quando analisa o fenômeno do bonapartismo francês, Engels aplica essas conclusões ao estudo da sociedade alemã. Engels descobre que a reação feudal, não dispunha de uma única forma de se implementar, como havia sido com a Santa Aliança (Rússia, Áustria e Prússia) após o Congresso de Viena, em 1815. Havia uma nova forma, inaugurada na França com o golpe de Estado de Luis Bonaparte, mas plenamente desenvolvido pelos junkers prussianos:
“Mas há outra forma de reação que teve muito sucesso nos últimos tempos e está se tornando altamente aceita em certos círculos, esta é a forma hoje chamada de bonapartismo. O bonapartismo é a forma necessária de Estado em um país onde a classe operária, em alto nível de desenvolvimento nas cidades, mas numericamente inferior aos pequenos camponeses nas áreas rurais, foi derrotada em uma grande luta revolucionária pela classe capitalista, a pequena burguesia e o exército.” (Engels, A questão militar prussiana)
Engels destaca que o bonapartismo se faz necessário quando a burguesia, embora forte economicamente, seja fraca politicamente para governar. Neste caso o governo efetivo é o próprio exército. O exército, através de um fanfarrão como Napoleão III, ou de um demagogo como Bismarck assume, para a burguesia, o encargo de gerir o seu Estado. Por isso é um Estado burocrático-militar, que busca se colocar acima dos interesses das classes antagônicas (burguesia e proletariado) e as vezes fomenta o conflito entre estas a fim de assegurar os seus privilégios de casta. Na França, o bonapartismo vigorou de 1849 a 1870; no Império Alemão, por sua vez, o bonapartismo prussiano persistiu em sua essência desde 1871, perpassando a República de Weimar dos social-fascistas e conservado intacto na ditadura nazista até ser derrotado, em 1945, pelas forças revolucionárias do Exército Vermelho comandado pelo camarada Stalin.
O bonapartismo prussiano consiste também em subornar parcelas da burguesia e da classe operária. Engels destaca que sob esta forma de governo, impulsiona-se “esquemas colossais de construção estatal que concentram nas grandes cidades um proletariado imperial artificial dependente do governo ao lado do proletariado natural e independente.” Ou seja, o grande comunista destaca o surgimento de um proletariado corporativizado pelo velho Estado, dependente deste. Se na Inglaterra surgiria uma “aristocracia operária” subornada pelos lucros monopolistas coloniais da burguesia britânica; no Império alemão, Bismarck buscaria formar um “proletariado imperial artificial”, que atrelaria as suas expectativas ao próprio progresso do velho Estado.
Um dos elementos chaves da linha oportunista de Lassalle era a defesa e a ilusão com o sufrágio universal. Enquanto na Revolução Francesa a conquista do sufrágio universal foi decisiva para que o Terceiro Estado derrotasse politicamente e depois militarmente a nobreza e o clero, para o proletariado essa condição não se repetiria. Engels demonstra que o sufrágio universal, em condições onde não há a liberdade de associação e de imprensa, sofre “tanta pressão burocrática que a eleição da oposição é impossível”. Na forma burguesa bonapartista de governo, o sufrágio, de arma das massas se converte em armadilha, é o que Engels conclui em sua análise do bonapartismo prussiano: “o sufrágio direto universal não será uma arma para o proletariado, mas uma armadilha.” O desenvolvimento do bonapartismo prussiano, nas décadas de 1870 e 1880, marca um ambiente danoso para a luta de classes na Alemanha, que facilitou o ressurgimento das posições lassallistas em meio aos progressos importantíssimos das posições marxistas.
A conclusão que o grande Engels chega sobre os resultados da Revolução Democrática na Alemanha é que esta foi uma revolução inconclusa. Que houve uma unificação dos Estados alemães em torno do reino da Prússia; que esta, por isso, não foi uma unificação nacional, mas uma prussificação da Alemanha. Que as tarefas democráticas alcançadas em três anos na Revolução Francesa, demandariam décadas para se efetivarem no Império Alemão. E que a expressão política dessa revolução democrática burguesa inconclusa foi o bonapartismo prussiano.
Quais seriam as tarefas dos comunistas na Alemanha e na Áustria, após aquelas reestruturações dos velhos Estados dos Hohenzollern e dos Habsburgos? Essa era uma resposta que deveria ser buscada e encontrada pelos comunistas, principalmente nesses países. Aos grandes Marx e Engels, nas décadas de 1870 e 1880, após a I Internacional ter cumprido exitosamente sua missão, estava destinada a importantíssima tarefa de completar a elaboração científica da doutrina comunista. Em relação aos processos revolucionários nos distintos países da Europa, Marx e Engels atuavam como dirigentes internacionais; a cada um desses processos caberia aplicar de maneira criadora o Marxismo para formular o pensamento-guia de cada revolução a partir do desenvolvimento de cada sociedade. Para os países que demandavam uma Revolução Democrática, os comunistas encontrariam nos textos da NGR e nas obras de Engels ensinamentos preciosos. Especificamente sobre a Revolução Democrática na Alemanha, na década de 1890, Engels ainda retomaria a defesa de três questões fundamentais: o problema da República, o problema camponês e da violência revolucionária. Antes, no entanto, cumpriria as imprescindíveis e hercúleas tarefas de elaborar a primeira apresentação sistemática do Marxismo enquanto uma doutrina integral e concluiria a elaboração dos outros dois Livros de O Capital.
3. Friedrich Engels e a sistematização do Marxismo
Durante todo este período em que Engels acompanhou, desde a Inglaterra, o desenvolvimento do processo revolucionário na Alemanha, isto é, durante toda as décadas de 1850 e 1860, o grande revolucionário cumpriu com enorme afinco a tarefa revolucionária de assegurar a sustentação logística de Marx, primeiro dirigente profissional do proletariado. Engels que havia se mudado, em novembro de 1850, para Manchester, durante os vinte anos subsequentes trabalharia nos escritórios da empresa em que seu pai era sócio. Com o seu bom humor característico, Engels descreveu essas duas décadas como o seu “cativeiro no Egito”.
Em julho de 1869, foi com um “Hurra! Sou um homem livre!”, que Engels comunicou à Marx o término do contrato na empresa de sua família. Em setembro de 1870, se mudou para Londres e imediatamente ingressou no Conselho Geral da Internacional. Engels retomava assim seu posto de vanguarda no nascente MCI, e ao lado de Marx, assumiria um papel de destaque na luta de duas linhas na Internacional. A principal luta ideológica na I Internacional se deu contra Bakunin, que de maneira eclética e oportunista mesclava o socialismo pequeno-burguês de Proudhon, a tática putschista de Blanqui e o reformismo inglês de Hales. Nessa luta de duas linhas o marxismo se impõe como única concepção científica de socialismo, como destaca Lenin: “O marxismo triunfa incondicionalmente sobre todas as outras ideologias do movimento operário.”
No mesmo momento em que ocorria a pseudo-unificação da Alemanha, na ideologia científica do proletariado estava operando-se um importante salto de qualidade. Entre 1864 e 1872, o pensamento marx eleva-se à condição de Marxismo. Neste contexto tormentoso da luta de classes na Europa que o Marxismo se afiança e se impõe como doutrina científica e ideologia do proletariado internacional, fundado a partir da crítica às correntes de pensamento do que de mais avançado a humanidade havia acumulado – a economia política inglesa, o pensamento social francês e a filosofia clássica alemã. Jornadas e batalhas que percorrem as trincheiras da fundação da I Internacional (1864), da publicação do Livro I de O Capital (1867), passando pela realização da Comuna de Paris e à publicação do brilhante balanço de Marx A guerra civil na França (1871) e decisiva e implacável luta de duas linhas de Marx e Engels contra o socialismo pequeno-burguês de Bakunin (1872). Com a I Internacional, O Capital, a gloriosa Comuna de Paris e a luta contra o bakuninismo, o Marxismo se afirmou como a única expressão do socialismo científico. Esse salto estabeleceu-se na teoria e na prática.
O Capital nas palavras de Engels foi “o mais temível projétil jamais lançado à cabeça dos burgueses e dos proprietários fundiários”, esta obra marcou o salto ideológico do Marxismo. Enquanto nesta se trata da comprovação científica da inevitabilidade da destruição do sistema capitalista, a Comuna de Paris foi a demonstração de sua possibilidade prática. Por sua vez, a luta de duas linhas decisiva, no Congresso de Haia da I Internacional, que expulsou desta os anarquistas bakuninistas, foi a vitória ideológica do socialismo científico sobre o socialismo pequeno-burguês. Toda esta luta, ideológica e prática, contém mil verdades que podem ser sintetizada numa: a da a da ditadura do proletariado como resultante inevitável da luta de classes e condição obrigatória para a vitória da revolução socialista como revolução permanente necessária de transição à sociedade sem classes, o Comunismo.
Para este triunfo do Marxismo, o fato de Engels ter assumido um posto dirigente na Internacional foi fundamental. Na década de 1870, ele vai assumindo cada vez mais a posição de vanguarda na luta de duas linhas do nascente MCI. De meados de 1874 a início de 1875, escreve uma série de cinco artigos denominados Literatura de refugiados, na qual trava luta contra as concepções pequeno-burguesas dos emigrados poloneses, franceses e russos. E essa luta era dirigida sobretudo para derrotar as concepções não marxistas no Partido Social-democrata alemão, que havia sido a principal base de apoio das posições marxistas na I Internacional. O partido operário havia sido fundado em 1869, por August Bebel e Guilherme Liebknecht, que assumiam cabalmente o Marxismo. No entanto, em 1875, inicia-se um processo de fusão deste Partido com a Associação dos Operários, criada em 1863 pelo pró-prussiano Ferdinand Lassalle. Engels critica duramente esse processo e particularmente o Projeto de Programa da fusão que representava um grande retrocesso às posições lassallistas. Foi Engels quem comunicou a questão para Marx, que responde com sua magistral obra Crítica do Programa de Gotha, na qual desenvolve de maneira acabada a teoria marxista da ditadura do proletariado.
No entanto, essa será praticamente a última intervenção direta de Marx na luta de duas linhas entre os comunistas. Com uma saúde bastante debilitada, Marx vinha assumindo a função de suporte enquanto Engels lhe secundava na Chefatura do nascente MCI. O marco dessa passagem de Mando pode ser estabelecido na publicação da magistral obra Anti-Dühring, em 1877/1878. Nessa obra, Engels ataca as concepções do professor de filosofia da Universidade de Berlim, Eugen Dühring, que estavam sendo assumidas por dirigentes do Partido Social-democrata, como Bernstein, que viam nelas uma “renovação da teoria comunista”. A obra de Engels aplasta uma a uma todas as posições pseudocientíficas do catedrático berlinense; todavia, a importância ideológica principal do Anti-Dühring, é que ali está, pela primeira vez, a sistematização do marxismo enquanto a doutrina integral do proletariado em suas três partes constitutivas: filosofia marxista, economia política marxista e socialismo científico.
Na seção Economia Política, Engels estabelece de maneira bastante clara a relação entre economia, política e guerra; além de introduzir importantes aspectos tratados por Marx no livro primeiro de O Capital, como a teoria do valor e da mais-valia. Nesta seção, o último capítulo, Da história crítica, foi inteiramente escrito por Marx; o que serve para comprovar que o Anti-Dühring foi escrito em total concordância entre os dois fundadores do comunismo. Na seção Socialismo, Engels estabelece a distinção entre o socialismo científico, marxista, e o socialismo utópico pequeno-burguês; diferenciando, todavia, as posições utópicas (avançadas a seu tempo), das posições oportunistas contemporâneas. Na seção Filosofia, Engels estabelece importantes sínteses; evidenciando que a concepção filosófica marxista é materialista-dialética, afirma que “o materialismo é essencialmente dialético” e que “o movimento é o modo de existir da matéria”. Estabelece também que as leis da dialética não vigoram apenas na sociedade e no pensamento, afirmando que “a natureza é a prova da dialética”. Ao demonstrar a universalidade da dialética, Engels fundamenta o que depois seria desenvolvido pelo Presidente Mao: a universalidade da contradição, desta como lei fundamental e única da incessante transformação da matéria eterna, do universo, da natureza, da sociedade e do pensamento.
Com o desaparecimento físico de Karl Marx, em 14 de março de 1883, as responsabilidades do grande Engels se tornarão ainda maiores. Comprovando-se sua condição de Chefatura, Engels não só defendeu e sistematizou, mas também desenvolveu o marxismo. Em 1885, preparou para a impressão o Livro II de O Capital, que Marx deixara praticamente pronto para publicação. O mesmo não podia ser dito do Livro III, o qual demandou enorme trabalho de Engels, que só conseguiu publicá-lo em 1894. Para este Livro, Engels teve que reescrever alguns capítulos, completar outros e corrigir alguns cálculos matemáticos na seção sobre a Renda Fundiária. Com essa publicação, Engels completava a obra científica mais importante do marxismo, que de forma alguma pode ser compreendida separadamente. Afinal, os três livros de O Capital conformam uma unidade dialética inseparável; o livro primeiro: o processo de produção do capital, o livro segundo: o processo de circulação do capital e o livro terceiro: o processo global de produção capitalista. Trata-se de uma unidade de contrários entre produção e circulação, na qual a produção é o aspecto principal e determina, em última instância, a circulação, donde se depreende a contradição insolúvel nos marcos do capital: entre o caráter social da produção e a propriedade privada dos meios de produção. O processo global de produção é a síntese concreta da unidade entre produção e circulação do capital, ou seja, a síntese da economia política marxista, sem a qual estaria incompleta. E foi Engels quem assegurou a apresentação integral da economia política marxista.
O caráter inseparável da obra de Engels e Marx revela-se naquilo que há de mais desenvolvido na formulação científica marxista, que é a sua economia política. Em 1844, Engels escreve o Esboço para uma crítica; em 1859, Marx publica o Para crítica da economia política; em 1867, Marx lança O Capital – crítica da economia política, cuja publicação só se encerraria em 1894. Do Esboço à Crítica cabal da economia política burguesa, transcorreram-se cinquenta anos de denodado trabalho teórico e prático coletivos, de luta de classes do proletariado e de luta de duas linhas da Fração Vermelha do nascente MCI, do titânico labor de Marx e Engels para a fundação da doutrina científica do proletariado.
Nesse período, coube ainda a Engels seguir desenvolvendo o marxismo, para tal são formuladas e publicadas obras clássicas como A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, em 1884, na qual Engels estabelece as bases científicas acerca da passagem da comuna primitiva à sociedade de classes, donde fundamenta a origem de fenômenos sociais de suma importância para a comprovação de leis gerais da sociedade de classes tais como a teoria marxista do Estado e para o desenvolvimento da linha marxista sobre a questão feminina. Dois anos depois, Engels publicaria a importantíssima obra filosófica Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã; nesta obra Engels estabelece quais são os dois problemas fundamentais para a filosofia marxista, quais sejam, a teoria do conhecimento e a lógica dialética. Será nesta obra, que o grande Lenin se baseará para combater as posições filosóficas revisionistas na Rússia. Em sua monumental obra Materialismo e Empiriocriticismo Lenin destaca justamente a centralidade da teoria do conhecimento para o Marxismo. Em seus Cadernos Filosóficos, o grande Lenin buscava elementos para desenvolver a questão da lógica dialética. Embora apenas na condição de rascunhos de seus estudos das obras de Hegel, foi nesses manuscritos que o Presidente Mao se embasou para sua grandiosa formulação de que a lei da contradição é a única lei fundamental da dialética.
E não só no trabalho teórico, mas também na luta prática pela revolução, Engels seguiu desenvolvendo o Marxismo. Nos últimos cinco anos de sua vida, Engels retomaria a luta de duas linhas sobre a Revolução Democrática na Alemanha sobre a qual nos detemos no capítulo anterior.
3.1 Palavras proféticas: as últimas lutas de duas linhas encabeçadas por Engels
Os últimos textos políticos de Engels tiveram grande importância teórica na formação da nova geração de revolucionários. Suas análises sobre as perspectivas do desenvolvimento da luta de classes na Europa se mostraram tão corretas e precisas, que Lenin as chamou de palavras proféticas. Dentre esses textos destacam-se: Introdução à Em memória dos furibundos patriotas de 1806-1807 (escrito em 1887), Crítica ao Programa de Erfurt (de 1891), O problema camponês em França e Alemanha (1894) e Introdução à As lutas de classes em França (1895). A análise deste último texto carrega uma importância particular, porque tanto o oportunismo de direita quanto o oportunismo de “esquerda” utilizam esse documento para atacar a memória do grande Engels; os primeiros, falsificando-o, pretendem transformar o camarada de armas de Marx em um defensor do eleitoralismo; os segundos, buscam apresentar Engels como um dos responsáveis pelo predomínio do reformismo na social-democracia alemã. Ambas, posições são oportunistas e falsificadoras, pois esse conjunto de textos possuem grande importância para a ideologia do proletariado, e todos eles foram base para novos desenvolvimentos realizados por Lenin. Sua importância teórica e seu conteúdo de esquerda só podem ser apreendidos completamente, quando analisados em conjunto.
O período em que os textos foram escritos estava marcado pelo auge do momento caracterizado por Lenin como “relativamente pacífico”; e como apogeu, era também o início da transição para o momento seguinte de desenvolvimento revolucionário, de agudização de todas as contradições de classe que se seguiria. Em março de 1890, Bismarck deixa de ser chanceler do Império Alemão, e em 1892, perde o cargo de primeiro-ministro da Prússia. Concomitante a isto, não é renovada a lei anti-socialista e o SPD sai da ilegalidade. Este foi o período de auge dos êxitos eleitorais da social-democracia alemã. Ao mesmo tempo, é o período no qual o Império Alemão inicia a implementação de seus planos de expansão imperialista. Conforme a caracterização de Lenin, o fato histórico que marca o fim do período “relativamente pacífico” é a Guerra Russo-Japonesa, de 1905, e os processos revolucionários que ocorrem simultaneamente na Rússia, Turquia e Pérsia (hoje Irã). O auge desta crise que sacudiria a Europa daria-se em 1914 com a eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Os textos de Engels, portanto, ao mesmo tempo que compreendem o balanço dos progressos da social-democracia alemã, neste período “relativamente pacífico”, servem de alerta e preparação para o momento de grandes tormentas que se avizinhava. Como vimos acima, na década de 1870, Engels havia alertado aos revolucionários alemães que o sistema eleitoral prussiano era uma armadilha para o proletariado. Na mesma ocasião, havia defendido a superioridade da infantaria frente a cavalaria e que esta, composta em sua maior parte por mercenários de origem aristocrática, nada poderia fazer frente as barricadas operárias. Por sua vez, no referido texto de 1895, Engels, ao analisar as mudanças nas técnicas de guerra e do desenvolvimento relativo da luta de classes, afirmaria que o sufrágio universal havia se convertido em uma arma para o proletariado, ao mesmo tempo que destacava o decaimento da importância das barricadas frente ao desenvolvimento da artilharia moderna. O revisionismo e o reformismo falsificam a posição de Engels e dizem que ele teria decretado o “fim das táticas das barricadas” e o sufrágio universal como via de avanço ao socialismo. Essas são posições que precisam ser veemente rechaçadas pelos revolucionários.
O grande Engels captou com grande capacidade as transformações sociais que estavam em curso, e previu com um acerto impressionante a inevitabilidade das Guerras Imperialistas e quais seriam suas consequências:
(…) a única guerra que a Prússia-Alemanha pode desencadear é uma guerra mundial, uma guerra mundial de extensão e intensidade jamais vista (…). Oito a dez milhões de soldados se exterminarão mutuamente e deixarão a Europa arrasada, como nenhuma nuvem de gafanhotos seria capaz. As devastações da Guerra dos Trinta Anos, condensadas em três ou quatro anos, e espalhadas por todo o continente; fome, epidemia, barbárie geral de exércitos e de massas, provocadas por puro desespero; caos completo em nossos negócios, comércio e indústria, terminando em bancarrota geral; colapso dos velhos estados e de sua sabedoria tradicional, de tal forma que coroas rolarão nas valetas às dúzias e não haverá ninguém disponível para recolhê-las (…).
Aqui fica evidente, que a perspectiva de Engels para o futuro próximo dos comunistas era o oposto da ilusão oportunista de direita, do sufragismo e do adeus às barricadas. Engels percebeu com muita antecedência a tendência à violência, que é uma das marcas essenciais do imperialismo. Por isso, antevê o que seria a Primeira Guerra Mundial; mas não com uma visão derrotista ou catastrófica, pois estava carregado do otimismo revolucionário proletário. E a verdade de suas palavras se confirmaram proféticas tanto na efetivação da guerra imperialista quanto na queda das coroas. Pois ao fim da Primeira Guerra Mundial, foram derrubadas as monarquias Prussiana, Austríaca e Russa, e de fato ninguém se dispôs a recolher essas coroas das valetas, foram varridas para o lixo da história e com a Grande Revolução Socialista de Outubro, abriu-se uma Nova Era na História da Humanidade, a Era das Revoluções Proletárias! Engels, portanto, sempre centrou sua análise no desenvolvimento da guerra revolucionária e não na guerra reacionária:
Vejam, senhores reis e homens de Estado, até onde a sua sabedoria levou a velha Europa. E se não lhes resta outra coisa que não seja iniciar o último grande baile militar, não nos deitaremos a chorar. Que a guerra nos lance ao atraso por um tempo, que tire das nossas mãos algumas posições já conquistadas. Porém, se desencadearem as forças que depois já não poderão dominar, qualquer que seja a forma que tomem os acontecimentos, no final da tragédia vocês estarão arruinados, e a vitória do proletariado já terá sido conquistada ou será inevitável
E em sua condição de chefatura do nascente MCI, que secundara o grande Marx, a Engels não coube apenas fazer previsões justas e precisas. Como guia revolucionário do proletariado, nesses mesmos trabalhos teóricos, apontou ensinamentos preciosos para o período de revoluções que se abria, particularmente para a Revolução alemã. Em 1891, em seu Crítica ao Programa de Erfurt, Engels reconhece o desenvolvimento da esquerda na direção do SPD, mas ao mesmo tempo identifica falhas importantíssimas dentre as quais a falta da reivindicação democrática da República una e indivisa na Alemanha e a ausência da defesa da ditadura do proletariado. Em sua crítica, Engels alertaria que a falta de definição sobre essas duas questões poderiam causar problemas sérios ao partido na Alemanha e de fato foi o que se verificou na revolução alemã de 1918. Como resposta à crítica de Engels, a direção do SPD argumentou, que a defesa da República era um ato ilegal no Império Alemão; ao que contrarresta dizendo que essa proibição era uma justificativa a mais para a a justeza desta consigna. Como veremos a seguir, a consigna da República Democrática, só seria retomada tardiamente pela esquerda do SPD, e mesmo assim quando já se tornara caduca, pois conforme analisaria Lenin, após a eclosão da Primeira Guerra Mundial, as tarefas democrático-revolucionárias só poderiam ser cumpridas por uma República Soviética de Operários e Camponeses.
E o texto de Engels sobre a questão camponesa, publicado em duas partes (a primeira em 1894 e a segunda em 1895), é o mais importante dentre esses materiais. O problema camponês na França e na Alemanha, é uma importante crítica à posição dos partidos socialdemocratas, nesses respectivos países, sobre a questão camponesa. O Partido na França, embora defendesse com maior contundência a importância do campesinato na revolução proletária, terminava por propugnar que a conquista da parcela individual da terra corresponderia à emancipação do campesinato. Engels demonstra que a própria história da França desmentia essa ilusão, pois o camponês que conquistara a propriedade da terra na Revolução Burguesa, em 1789, estava arruinado economicamente, oprimido pelo capitalismo e na prática havia perdido a propriedade de sua terra para os agiotas. Por sua vez, no programa do Partido na Alemanha não constava a necessidade da luta democrática pela defesa da pequena propriedade camponesa. Os alemães tendiam a considerar como progressista a concentração da propriedade fundiária nas mãos da burguesia, pois assim se estaria mais próximos da meta socialista da nacionalização e coletivização das terras. Engels ressalta que, ao contrário, quanto mais os camponeses resistissem na defesa de suas propriedades no capitalismo, quanto mais se agudizasse a luta de classes no campo, mais próximos eles estariam do proletariado e do socialismo.
Após a crítica aos dois programas, Engels apresenta então, qual é a posição dos comunistas frente a questão camponesa; quais as propostas que o proletariado deve apresentar ao campesinato de maneira a mobilizá-los para a luta e, ao mesmo tempo, não trair os princípios socialistas. Engels empreende, então, uma análise muito rica da situação agrária dos dois países, com maior detalhe para a situação da Alemanha. Demonstra, como que os camponeses estão arruinados pelo capitalismo, pois o desenvolvimento do modo de produção capitalista arruinou a indústria camponesa e o avanço deste na agricultura acabou com as grandes áreas de terras comunais. O fim da indústria camponesa, implicava a dependência deste dos produtos manufaturados da indústria; o fim das terras comunais representava a impossibilidade de contar com uma importante reservar de produtos naturais indispensáveis para a sobrevivência no campo (caça, madeira, combustível, etc). Nessas condições, sob o capitalismo, o campesinato só podia viver na condição de arruinado. Por sua vez, como parte de sua própria prática social, o campesinato só via como possibilidade para sua libertação a conquista ou reconquista da propriedade da terra. Engels mostra que nos marcos do avanço da grande indústria, a propriedade individual de pequenas porções de terra, não representaria a emancipação do campesinato, portanto o que cabia ao proletariado era a defesa da propriedade camponesa frente a expropriação latifundiária ou burguesa e, ao mesmo tempo, a organização dos camponeses em cooperativas que permitisse uma maior racionalização da produção agrícola. Engels enfatiza que a mobilização dos camponeses para a cooperação devia-se basear no convencimento, condição indispensável para solidificar a aliança operário e camponesa. Ao estabelecer este princípio, Engels contribuía com um aporte fundamental para a linha proletária da coletivização agrícola:
E, em segundo lugar, é também evidente que, ao tomarmos posse do Poder do Estado, não poderemos pensar em expropriar violentamente os pequenos camponeses (com indenização ou sem ela), como seremos obrigados a fazer com os grandes latifundiários. Face aos pequenos camponeses, nossa missão consistirá, antes de tudo, em orientar sua produção individual e sua propriedade privada para um regime cooperativo – não pela força e sim pelo exemplo e oferecendo-lhes a ajuda social para esse fim.
As últimas palavras, deste artigo, constituem as mais importantes “profecias” de Engels confirmadas no curso da Revolução Alemã em 1918. Ao concluir a análise das diferentes camadas do campesinato do Império Alemão, Engels destaca que a parcela mais importante dos camponeses alemães a serem conquistadas pelo proletariado era a dos camponeses oprimidos pelos junkers. Esses camponeses viviam numa condição de assalariamento combinada com semi-servidão; era uma situação típica daquilo que Lenin caracterizaria como “via prussiana” do desenvolvimento do capitalismo no campo. Assim Engels caracteriza a importância da tarefa:
Assim, ganhar os trabalhadores agrícolas prussianos na margem oriental do Elba só poder ser, para nós, uma questão de tempo e, mesmo, de um tempo muito curto. Logo que ganhemos os trabalhadores agrícolas da parte oriental do Elba, outros ventos começarão a soprar em toda a Alemanha. A semi-servidão em que, de fato, se mantém os trabalhadores agrícolas das regiões a Leste do Elba constitui a base fundamental em que se apoia o domínio dos junkers da Prússia, e, em consequência, a base fundamental da supremacia prussiana na Alemanha (…).
Vejamos: a semi-servidão dos camponeses da Prússia oriental constituía a base fundamental da força dos junkers, e consequentemente a a base fundamental da supremacia prussiana na Alemanha. Ou seja, destruir a servidão camponesa a Leste do Elba, consistia em destruir os junkers e destruir os junkers era acabar com a Prússia. Engels estabelece, assim, a importância chave do proletariado conquistar essas massas, como condição indispensável para a Revolução Democrática na Alemanha, e consequentemente o estabelecimento da República e a unificação da nação. Dessa maneira, ao analisar a questão camponesa, Engels aprofunda a linha marxista para a Revolução Democrática na Alemanha, reafirmando, em 1894/95, a defesa da importância social do fim dos junkers e a importância política do fim do Reino da Prússia:
O poder desses junkers repousa sobre o fato de disporem da propriedade da terra no território fechado das sete províncias da antiga Prússia – isto é, em aproximadamente uma terça parte de todo o território do Império; e essa propriedade territorial, que traz consigo a posse do poder social e político, junta-se às usinas de açúcar de beterraba e às destilarias de aguardente, que representam as mais importantes indústrias desse território. Nem os grandes latifundiários, nem os grandes industriais, em todo o resto da Alemanha, desfrutam de uma situação tão privilegiada, pois nem um nem outros dispõem de um reino de fronteiras fechadas. Acham-se dispersos por vários territórios e concorrem uns com os outros, e ainda com elementos sociais circundantes, pela supremacia econômica e política. Esse poderio dos junkers prussianos vai, no entanto, perdendo cada vez mais a base econômica sobre a qual descansa. A asfixia, em consequência das dívidas, e o empobrecimento ampliam-se também aqui, irresistivelmente, apesar de toda a ajuda do Estado, que está presente, desde Frederico II, em todo o orçamento dos junkers, como regra geral; somente a semi-servidão, sancionada por lei e pela inércia dos costumes e que abre possibilidades ilimitadas à exploração dos assalariados agrícolas, mantém ainda a salvo o regime dos junkers, a cada instante ameaçado de submergir.
Por fim, Engels analisa o caráter estratégico da conquista para o proletariado dos camponeses pobres desta região. Pois, como o Exército Imperial era dominado pelos oficiais prussianos, a maior parte dos soldados era composta justamente por esses camponeses semi-servos oprimidos pelos junkers. Por isso, Engels destaca:
Lance-se a semente da socialdemocracia entre esses trabalhadores; dê-se coragem e espírito de solidariedade a eles, na luta por seus direitos, e será o fim das glórias dos junkers. A grande potência reacionária, que representa para a Alemanha, o mesmo elemento bárbaro de conquista que czarismo representa para a Europa, esvaziar-se-á como uma bexiga furada. Os ‘regimentos-chave’ do exército prussiano tornar-se-ão social-democratas, e, com isso, operar-se-á o deslocamento de classes no poder, que abriga em seu seio toda uma revolução. Eis porque a conquista dos trabalhadores agrícolas da zona Leste do Elba tem uma importância muitíssimo maior que a conquista dos pequenos camponeses do ocidente da Alemanha, sem falar já dos médios camponeses do sul. É aqui, na parte oriental do Elba, que se encontra nosso campo de batalha decisivo.
Essas palavras importantíssimas, no entanto, não foram aproveitadas pela socialdemocracia alemã. Os regimentos-chaves do exército prussiano, em 1918, como veremos, se transformaram não em social-democratas, mas em bolcheviques. No entanto, faltaria à esquerda do SPD, a capacidade de Lenin em aplicar criadoramente os aportes de Engels; ao contrário, o SPD, todas as suas tendências, tomariam, cada qual a sua maneira, posição pela linha lassallista de desprezo aos camponeses. A linha de Engels para a questão camponesa só seria aplicada na Revolução Russa e essa é uma das razões da vitória desta.
A análise desse conjunto de textos é fundamental para a compreensão mais completa da Introdução à As luta de classes na França, de 1895. Este é um texto riquíssimo de Engels, cujo eixo fundamental é a diferenciação entre as estratégias militares da Revolução Burguesa e da Revolução Proletária. Engels, analisa criticamente, como que nas experiências das lutas de classes na Europa, no curso do século XIX, predominou uma estratégia militar semelhante à da Revolução Francesa de 1789. Ou seja, tanto as revoluções de fevereiro e junho de 1848, em Paris, como as insurreições em Berlim e Viena, no mesmo ano, quanto a gloriosa Comuna de Paris, em 1871, tiveram como referência militar a Grande Revolução Francesa. Engels, irá mostrar, como tal referencial estratégico era incompatível com a Revolução Proletária e com as novas formas de guerra, resultantes do desenvolvimento da grande indústria.
Engels analisa em detalhe a estratégia das barricadas desenvolvidas brilhantemente pelos franceses. Mostra como essa forma de luta, nem em 1789, visava uma vitória militar apenas pela defesa de uma determinada posição no teatro de guerra. Analisa que o sentido estratégico dessa forma de luta era impor uma derrota moral ao Exército reacionário para conseguir assim a divisão deste e a passagem de armas e combatentes para o campo da revolução:
Mas não tenhamos ilusões: uma efetiva vitória da rebelião sobre a tropa na luta de ruas, uma vitória como a que um exército obtém sobre outro, só muito raramente ocorre. Mas os insurgentes raramente a pretendiam. Para eles, tratava-se unicamente de fazer as tropas cederem às influências morais que, numa luta entre os exércitos de dois países em guerra, não entram em jogo ou o fazem em menor escala. Se isso acontece, a tropa recusa-se a obedecer ou os comandantes perdem a cabeça e a revolta vence. (…) O máximo que uma insurreição pode alcançar em termos de operações táticas reais é a construção e defesa eficientes de uma única barricada. (…) Desse modo, a defesa passiva é a forma de luta predominante. O ataque assumirá aqui e ali, mas apenas excepcionalmente, a forma de surtidas e assaltos ocasionais aos flancos, limitando-se em regra à ocupação das posições abandonadas pelas tropas em retirada.
A crítica de Engels, portanto, não é à tática das barricadas em geral, ou às lutas de rua como parte indispensável à rebelião popular. O que ele crítica centralmente, por incompatibilidade com a natureza da Revolução Proletária e com as formas modernas de guerra, é que a defesa passiva não conduzirá o proletariado à vioria:
Isto quer dizer que no futuro a luta de ruas deixará de ter importância? De modo nenhum. Significa apenas que desde 1848 as condições se tornaram muito mais desfavoráveis para os combatentes civis e muito mais favoráveis para a tropa. Por consenguinte, uma futura luta de ruas só poderá triunfar se esta situação desvantajosa for compensada por outros fatores. Por tanto, ocorrerá menos no princípio de uma grande revolução do que no decurso da mesma e terá que ser levada a cabo com maiores forças. Estas, porém, hão de preferir a luta aberta à tática passiva da barricada (…).
Ou seja, Engels está destacando que a luta insurrecional (luta de ruas) segue sendo imprescindível, no entanto, em condições desfavoráveis para as forças revolucionárias; essa desvantagem precisar ser compensado por outros fatores e provavelmente ocorrerá mais no decurso de uma revolução do que em seu início; as forças revolucionárias precisam contar com maiores contingentes e precisarão adotar a ofensiva tática do que a passividade estratégica das barricadas. Essa posição de Engels, não é, de forma alguma a fundamentação de uma transição pacífica ao socialismo. Ao contrário, são os gérmens revolucionários da formulação da estratégia militar do proletariado, a Guerra Popular Prolongada estabelecida pelo Presidente Mao e parte fundamental do Maoísmo. A GPP é a aplicação criadora dos ensinamentos de Engels; pois mostra que o triunfo do proletariado não se dará de um só golpe, mas será prolongada; que será uma guerra popular e não de um pequeno grupo, ou foco; que a insurreição corresponde à parte final da guerra e não o seu início; que a guerra de guerrilha, ou nas palavras de Engels a “luta aberta”, possui um papel estratégico durante todas as fases da luta, enquanto que a barricada não possui um papel estratégico, como cumpriu na Revolução Burguesa.
Isso, no entanto, não significa, como querem os revisionistas, que o proletariado em sua luta revolucionária e mesmo na GPP não utilizará a tática das barricadas. O próprio Engels defende que as barricadas poderão sim ser utilizadas no futuro, desde que sejam observadas os aspectos levantados em seu estudo crítico. A experiência da luta de classes em nosso país, em 2013, com o levante da juventude combatente, e em 2018 com a histórica greve dos caminhoneiros, demonstram como que a luta de barricadas segue cumprindo um importante papel na luta democrático-revolucionária. Em nenhuma dessas lutas, a barricada cumpriu um papel estratégico, mas se revelou uma poderosa arma tática na atualidade. Em 2013, as barricadas foram decisivas para impedir o avanço da tropa de choque e permitiu inclusive forçar a cavalaria a recuar. Em 2018, as barricadas apareceram sob a forma de corte de rodovias e demonstraram que a classe operária e os camponeses, podem em pouco tempo, parar o país. Ou como expressou o grupo Ameaça Vermelha, em seu poderoso RAP Juventude Combatente (Parte II):
Juventude tá na rua
Agora o bicho tá pegando
Molotov, barricada
E a polícia recuando
Rebeldia popular
Expulsando o tirano.
Lembro daquele mano
que o gambé assassinou,
agora o povo experimenta
a sua justa vingança:
barrar o opressor
respondendo a matança.
O choro da criança
que não tinha o que comer,
agora virou ódio
se liga no proceder:
carros virados,
bancos quebrados,
fascista encurralado.
Quem é bandido
nessa terra de ninguém?
Sua polícia na favela
faz o povo de refém.
Se acha o superman
porque tem colete glock,
mas eu já vi a Choque
correr do Black Block.
Na luta de classes e na posição dos revolucionários está vivo e presente o pensamento e os ensinamentos de Engels; no socialismo de cátedra, só há revisionismo e traição de classe. A defesa da violência, do papel decisivo dos camponeses pobres na Revolução Democrática na Alemanha. Esses foram os últimos ensinamentos do grande comunista Friedrich Engels.
4. O papel do pensamento de Engels na luta contra o revisionismo e no desenvolvimento do Marxismo
No dia 05 de agosto de 1895, ainda trabalhando, Engels faleceu em sua residência em Londres. O coração proletário daquele alemão de índole irlandesa deixou de bater. Mas o MCI e o proletariado internacional não ficariam sem direção. Pois naquele mesmo instante, um jovem revolucionário russo, de apenas 25 anos estava se temperando para assumir o enorme desafio de levar a revolução proletária mundial adiante. Em pouco tempo, Vladmir Ilich Lenin, assumiria a condição de Chefatura do MCI, em meio aos novos desafios da luta de classes com o advento do imperialismo e da luta de duas linhas contra a forma mais perigosa de oportunismo: o revisionismo.
No seio da socialdemocracia alemã, a morte de Engels foi o sinal para que as posições revisionistas colocassem sua podre cabeça para fora. A figura de proa do revisionismo alemão, que rapidamente influenciaria negativamente os processos revolucionários em toda a Europa, foi Eduard Bernstein. Como vimos anteriormente, Bernstein aparece na história do SPD, após a unificação com os lassallistas no Congresso de Gotha, em 1875. Logo depois, seria um dos defensores da filosofia anti-marxista de Dühring e nos anos de 1878 esteve junto com aqueles que defenderam a liquidação do SPD frente a lei anti-socialista de Bismarck. Durante toda a década de 1880, trabalhou próximo a Engels, juntamente com Kautsky, colaborando na impressa socialdemocrata. No entanto, após 1895, passaria a defender abertamente a “revisão do marxismo”, combatendo particularmente os postulados marxistas: da luta de classes, da violência revolucionária e da ditadura do proletariado. Como o camarada Lenin, demonstraria, o revisionismo não era um fenômeno exclusivamente alemão, mas sim de caráter internacional e objetivamente inevitável com o desenvolvimento do capitalismo, principalmente a partir do período de trânsito e passagem da fase de livre concorrência deste à dos monopólios, o imperialismo.
A base objetiva do impulsionamento das posições revisionistas, que buscaram transformar o marxismo numa teoria da conciliação de classes, foi o surgimento do imperialismo: último e superior estágio do desenvolvimento do capitalismo. Como Lenin caracterizou, neste estágio agonizante, a burguesia imperialista busca não mais o “lucro médio”, mas sim o “lucro monopolista”. Este superlucro permite à burguesia das potências imperialistas subornar setores da classe operária, fenômeno este que já havia sido identificado por Marx e Engels na Inglaterra, exatamente porque ali dado o grau de desenvolvimento do capital já apresentava elementos do que viria ser o regime de monopólios, ao que eles cunharam de “aristocracia na classe operária”. O domínio das colônias, a exploração monopolista dos recursos naturais, das fontes de matéria-prima e da força de trabalho nestas, bem como o mercado cativo para as mercadorias de suas corporações, resultava nos superlucros, que com parte destes permitiam ao imperialismo executar em seu próprio território esta política de suborno de camadas do proletariado. Como Lenin definiria em seu O imperialismo e a cisão do socialismo, o advento do imperialismo possibilitou o aparecimento da aristocracia operária como base objetiva do fenômeno de todo oportunismo.
Na década de 1890, o fenômeno do imperialismo no Império Alemão, foi assumindo algumas características particulares. Diferentemente de outras potências imperialistas, como Inglaterra, França e Rússia, o Império Alemão não possuía grandes colônias. O impulso capitalista no reino da Prússia (1850 a 1870), que seguiu num ritmo mais acelerado com o Império Alemão, potencializou uma grande capacidade industrial, mas de certa forma os prussianos chegaram atrasados na partilha do mundo. Por outro lado, o impulso capitalista prussiano contava com um forte freio interno, que era a hegemonia dos junkers latifundiários no sistema de poder do velho Estado. De 1870 a 1890, o domínio junker se impôs, e isso representou uma burocratização cada vez maior da produção latifundista no Império Alemão. Enquanto que na Inglaterra dos anos de 1830 a 1850, a burguesia industrial havia conseguido derrubar as tarifas alfandegárias que taxavam os cereais importados do USA e da Rússia; no império alemão, os junkers prussianos seguiram protegidos por essas barreiras comerciais. Isso tinha um efeito econômico muito ruim para a burguesia alemã, pois os cereais dos junkers eram mais caros do que os que poderiam ser importados da Rússia e do USA, assim, o preço da força de trabalho do proletariado alemão era artificialmente elevado o que reduzia a mais-valia extraída pela burguesia. Essa apropriação de uma mais-valia reduzida pela burguesia alemã, por conta da alta dos preços dos alimentos e de certas matérias-primas, era apropriada pelos junkers na forma de renda fundiária.
Na última década do século XIX, o crescimento industrial da burguesia alemã tornou insustentável a hegemonia dos latifundiários no controle do velho Estado. No ano de 1890, o poderoso Chanceler Bismarck caiu e logo em seguida assumiu o trono o jovem rei Guilherme II. O reinado de Guilherme II, que duraria até novembro de 1918, marca uma nova reestruturação do velho Estado prussiano, agora com a burguesia industrial assumindo a hegemonia. A disputa desta burguesia com os junkers se dava pela proteção Estatal, ou seja, qual setor da economia (indústria ou agricultura) receberia os maiores incentivos econômicos do Estado. Na Inglaterra, de 1850, a burguesia industrial eliminou as proteções alfandegárias da aristocracia fundiária, relegando a esta um papel secundário no domínio do velho Estado. No entanto, no Império alemão a solução seria distinta. A monarquia de Guilherme II, monarquia militarista dirigida pelo exército imperial prussiano, encontra uma solução que poderia manter a proteção estatal tanto da burguesia quanto dos latifundiários.
Esta solução seria a construção de uma poderosa marinha de guerra, com capitais centralizados pelo velho Estado. Assim, o Estado seria o principal consumidor da poderosa indústria metalúrgica da Província do Reno. Ao mesmo tempo, que manteria a proteção alfandegária aos cereais produzidos pelos junkers, que seguiriam abastecendo o mercado interno. Para tal empreitada, elevadas compras estatais e proteção dos junkers, o Estado teve que contar com vultuosos empréstimos do capital financeiro alemão. Toda esta política econômica baseava-se num elevado endividamento estatal cujo pagamento só poderia ser feito com conquistas militares imperialistas. A marinha de guerra imperial visava assegurar um poderio colonial prussiano, que se focou inicialmente na construção da linha de ferro Istambul-Bagdá. Nessa disputa para o Oriente, o Império Alemão se aliaria ao Império Austro-Húngaro, contando com o alinhamento do Império Otomano contra as potências imperialistas russa e inglesa, e atropelando os interesses nacionais sérvios. A guerra imperialista era a única forma de pagar as despesas estatais com a compra de materiais da indústria e com a proteção dos cereais dos junkers.
Essa política no interior do Império Alemão impulsionou aquilo que Engels já havia identificado como um “proletariado imperial”, sem espírito revolucionário e completamente atrelado ao Estado. Essa aristocracia operária prussiana atrelava o seu relativo bem-estar econômico ao sucesso da política estatal. A esse setor conformado do proletariado passou a interessar as conquistas imperiais prussianas no Oriente Médio, pois elas eram a garantia da melhoria de sua condição de vida. Por outro lado, o maior peso do velho Estado na economia, era utilizado pelos oportunistas como modelos exemplares de um suposto “socialismo de Estado”. Assim, os interesses do proletariado se atrelariam aos interesses da monarquia, da burguesia industrial e mesmo dos junkers. Essa foi a base objetiva particular prussiana que marcou o desenvolvimento do revisionismo na social-democracia alemã.
As condições econômico-sociais no Império Alemão, nas décadas de 1890 e 1910, foram relativamente prósperas para o proletariado. Havia uma previdência social relativamente forte e, como analisaria Bernstein, muitos operários se tornaram pequenos proprietários rurais. Havia um parlamento do Império, o Reichstag, no qual a social-democracia via ano após ano crescer o número de seus parlamentares. Todas essas condições pareciam comprovar que a linha de Lassalle para a Revolução alemã estava correta, afinal o programa político de Lassalle consistia: na aprovação de uma Constituição democrática resultante do sufrágio universal. Aparentemente, a prussificação da Alemanha, defendida por Lassalle havia resultado num parlamento democrático que evoluiria pacificamente para uma República democrática. A defesa de Lassalle de cooperativas de produção financiadas pelo Estado era facilmente confundida com o capital burocrático-estatal da Marinha de guerra do Império.
Dessa maneira, o revisionismo alemão surge inseparavelmente com a defesa do suposto legado de Lassalle para a social-democracia alemã e da crítica da linha de Marx-Engels para a Revolução Democrática. Em 1893, Bernstein publicaria o seu Ferdinand Lassalle como um reformador social, este foi o primeiro restabelecimento público das posições lassallistas tão criticadas por Marx e Engels em 1875. Esta obra revisionista histórica precedeu o revisionismo ideológico de Bernstein, que nos anos de 1896 à 1898, escreveu a série de artigos Problemas do Socialismo, na qual ataca abertamente o Marxismo em suas três partes constitutivas. Em resposta a Bernstein, Katutsky publicaria em 1899 o seu livro Bernstein e o programa social-democrata, no qual critica, embora de maneira muito amigável, as posições revisionistas bernsteinianas. Por sua vez, em 1900, Rosa Luxemburgo publicaria a combativa obra Reforma ou Revolução?, com a qual, ataca de modo muito mais duro as posições reformistas de Bernstein.
De início, a social-democracia alemã se divide em dois campos: a direita, encabeçada pelo revisionismo de Bernstein, e a esquerda, dirigida por Kautsky, Bebel, Guilherme Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Por isso, Lenin, em 1902, em sua poderosa obra Que fazer?, na qual estabelece os fundamentos do partido de novo tipo, utiliza-se das citações de Kautsky para rebater o revisionismo de Bernstein. No entanto, no curso da Primeira Guerra Mundial, Kautsky e Bernstein se unificariam na posição oportunista; enquanto apareceria uma posição nacionalista-extrema, os chauvinistas; e uma esquerda, os Espartaquistas com Luxemburgo, Karl Liebknecht, Franz Mehring e Clara Zektin. Lenin em sua luta contra o oportunismo sempre centrou seus ataques no oportunismo de “centro”, pois demonstrava que o revisionismo era mais perigoso e sinuoso do que o chauvinismo aberto.
Uma das críticas centrais que Lenin dirigia à esquerda da social-democracia alemã, isto é, aos Espartaquistas era que esses não rompiam definitivamente com os revisionistas. Ao contrário, persistiam na ilusão de convencerem os revisionistas a romperem juntos com os chauvinistas. Dessa maneira, até 1917, permaneceram no mesmo SPD, os chauvinistas – que apoiaram abertamente o Império Alemão na Primeira Guerra Mundial – os revisionistas e os Espartaquistas.
Um dos limites da esquerda na social-democracia alemã foi justamente que ela combateu o reformismo da direita e do centro, mas não combateu o revisionismo. Rosa Luxemburgo, em sua obra de 1900, Reforma ou Revolução?, critica os aspectos políticos do oportunismo de Bernstein, mas não entra no fundo ideológico de suas posições revisionistas. Ao contrário, em outros textos ela saúda Bernstein justamente por este ter reabilitado Lassalle, ao lado de Marx e Engels, como uma das figuras mais importantes do movimento socialista alemão. Em certa medida, a defesa de Lassalle feita pela esquerda alemã foi mais problemática que a reabilitação feita por Bernstein, pois fundamentou historicamente que Lassalle estava correto em relação as críticas de Marx e Engels. Essa posição aparece formulada pela primeira, em 1898, na obra de Franz Mehring História da Social-democracia alemã; e é por ele referendada, já como Espartaquista, em 1918, em seu Karl Marx – A história de sua vida. Nessas obras Mehring formula abertamente que a posição de Lassalle na guerra italiana estava correta e que a linha de Engels era incorreta; Mehring defende também que o apoio de Schweitzer ao ministério Bismarck estava correta, justificando a aliança com os junkers argumentando que o proletariado não poderia lutar contra a burguesia e os feudais ao mesmo tempo! Mehring também discorda da crítica de Marx à fusão com os lassallistas, no Congresso de Gotha, em 1875.
Em 1918, no livro em que Rosa Luxemburgo contribui escrevendo um capítulo, Mehring assim se posiciona sobre a pseudo-unificação alemã: “Uma vez excluída a possibilidade de uma revolução burguesa, Lassalle percebeu corretamente que a unificação alemã, até onde fosse possível, só poderia ser resultado de comoções dinásticas”. O livro de Mehring, de 1898, teve grande influência na social-democracia europeia, e tornou-se a posição dominante de que a linha de Marx-Engels para a Revolução Democrática na Alemanha, nos anos de 1850 a 1870, estava incorreta; e que a posição de Lassalle era a correta. Será o grande Lenin, que em seus estudos sobre a Revolução Democrática Russa, em sua luta contra o menchevismo, fortemente influenciados pelo revisionismo de Kautsky e pela linha lassallista, quem irá resgatar as posições marxistas para a revolução democrática de 1848 e as posições de Engels nas décadas seguintes. Assim se posiciona o grande bolchevique, sobre as posições de Lassalle e Engels em 1859:
A propósito, A. Potréssov recusa-se a decidir se era Marx ou Lassalle quem tinha razão na apreciação das condições da guerra de 1859. Nós pensamos (contrariamente a Mehring) que era Marx quem tinha razão e que Lassalle foi também então, tal como nos seus namoros com Bismarck, um oportunista. Lassalle acomodava-se com a vitória da Prússia de Bismarck, com a ausência de força bastante dos movimentos nacionais democráticos da Itália e da Alemanha. Lassalle tendia assim para uma política operária nacional-liberal. Marx, pelo contrário, estimulava e desenvolvia uma política independente, consequentemente democrática, hostil à covardia nacional-liberal”. (V. I. Lenin, Sob uma nova bandeira)
Sobre a posição de Schweitzer, também defendida por Mehring, em uma carta, de 1911, Lenin faz o seguinte comentário: “Estou no Museu Britânico e leio com imenso interesse os folhetos de Schweitzer dos anos 60: é uma delícia, como se confirma a ideia que se tem dele como um oportunista no problema das vias de unificação!”
A falta da crítica ideológica ao revisionismo, o assumimento da linha de Lassalle para revolução alemã e o abandono da linha de Marx-Engels, seriam decisivos para a posterior derrota da Revolução Alemã em 1918 e 1919. A defesa de Lenin da linha de Engels, o seu combate sem quartel a todo o tipo de revisionismo, sua aplicação criadora do Marxismo às condições russas e suas descobertas sobre o imperialismo, por sua vez, seriam os elementos ideológicos decisivos para a vitória da Grande Revolução Socialista de Outubro, em 1917. As três correntes da social-democracia alemã assimilaram cada qual elementos distintos da linha lassallista para a revolução na Alemanha. Os chauvinistas de Scheidemann e Ebert assumiram a defesa de uma monarquia social. Os oportunistas-revisionistas Kautsky e Bernstein assumiram a defesa de uma evolução pacífica, no lugar da revolução violenta, para uma República Democrática pela via do sufrágio universal e da maioria parlamentar no Reichstag. A esquerda revolucionária, por sua vez, assimilou alguns elementos do constitucionalismo e da negação da importância do problema camponês e do problema nacional.
4.1 A linha de Marx-Engels, o Leninismo e a Revolução Russa
As condições econômicas e sociais da Rússia, bem como a estrutura política desta, eram muito mais semelhantes com as da Prússia do que com as da Inglaterra e da França. Por esses e outros motivos, Lenin dedicará muita atenção ao estudo detido das posições de Marx e Engels sobre a Revolução Democrática, particularmente em seus aspectos políticos (o problema do Estado) e as questões de classe (o problema camponês). Nesse sentido, Lenin utilizará muito as pesquisas e publicações de Mehring, que como historiador e publicista marxista, deu grande contribuição na republicação dos trabalhos de Marx e Engels do período de 1848, embora discordasse em grande parte de suas conclusões. Assim como na Prússia, o Império Russo assentava-se em uma forte aristocracia feudal ou semifeudal ao mesmo tempo que vivia em sua economia uma forte expansão da indústria capitalista, sobretudo na metalurgia e na indústria do petróleo. A Rússia czarista, por sua vez, possuía maiores zonas de domínio colonial do que o Império Alemão, dominando grandes regiões dos balcãs, do oriente e disputava com a Inglaterra o controle da Pérsia (hoje Irã). Do ponto de vista político, a Rússia vivia uma monarquia absolutista e não possuía um parlamento estável como o Reichstag no Império Alemão. A autocracia russa era muito mais visível e a perseguição política muito maior do que na Alemanha. Enquanto as duras condições de luta sob a autocracia czarista temperou muito os revolucionários russos, a falsa democracia parlamentar do Império Alemão engendrava ilusões constitucionais, mesmo que o regime consentia apenas com a existência da social-democracia, na condição que ela não ameaçasse a existência da monarquia (lembramos aqui o destacado por Engels, em sua crítica ao programa de Erfurt sobre a proibição legal contra a defesa da República).
As duas correntes principais da social-democracia russa, os Bolcheviques e os Mencheviques, ambas se poriam de acordo com a definição do caráter democrático-burguês da Revolução Russa. No entanto, quanto a forma e o conteúdo desta revolução divergiam, opondo-se radicalmente. Conhecendo a linha de Lassalle, fica mais fácil perceber que a concepção Menchevique sobre a Revolução Russa foi fortemente influenciada por esta posição. Assim, os Mencheviques defendiam uma revolução burguesa constitucional, que seria conquistada lentamente pela criação de um Parlamento burguês na Rússia, cujo modelo era o Reichstag alemão. Segundo tal linha, com uma monarquia constitucional, após a conquista da maioria parlamentar, avançar-se-ia para a República, que assim criaria as condições para um pleno desenvolvimento capitalista, condições estas indispensáveis para o Socialismo.
A posição Leninista baseava-se nas grandes experiências Marxistas da Revolução alemã de 1848, da Comuna de Paris de 1871 e das posições defendidas por Engels. Lenin tomou Engels como um grande mestre e aplicou criadoramente cada uma de suas lições. É o que podemos ver desde Desenvolvimento do capitalismo na Rússia (1899), no qual Lenin utilizou largamente passagens do Livro III de O Capital, editado por Engels alguns anos antes, em 1894. A aplicação da linha de Marx-Engels na revolução russa aparece de maneira mais impactante na obra Leninista Duas táticas da social-democracia na Revolução Democrática. Nesta obra Lenin opõe a tática bolchevique ao reformismo e revisionismo mencheviques, e ao aplicar os ensinamentos de Marx e Engels resolve questões que ainda não estavam dadas na primeira etapa da ideologia do proletariado. Dentre essas destaca-se a solução cabal do problema camponês na Revolução Democrática através da aliança operário-camponesa sob a direção do proletariado.
No desenvolvimento da luta de classes na Rússia, assim como na Alemanha, no século XIX, levanta-se uma luta radical dos camponeses contra a servidão. No entanto, enquanto na Alemanha essa luta camponesa se deu em meio à Revolução Burguesa de 1848, na qual o problema camponês apareceu como pano de fundo da luta da burguesia liberal, na Rússia a luta pela terra dos camponeses, tanto contra a servidão, em 1860, quanto na Revolução Democrática de 1905, esteve no centro da luta de classes no país. A revolução de 1905 foi eminentemente uma revolução camponesa. Isso demandou de Lenin uma grande atenção ao problema agrário e camponês.
Como vimos a posição Marxista sobre o problema camponês, nos anos de 1848 e 1849, era: a defesa do fim de todos os encargos feudais (apresentada nas Reivindicações do Partido Comunista da Alemanha); e a defesa da partilha das terras dos latifundiários feudais, os junkers, e sua entrega gratuita aos camponeses (presente nos artigos da Nova Gazeta Renana). Engels, em seus textos sobre a libertação nacional da Polônia, retomou o levantado no Manifesto do Partido Comunista, estabelecendo a clara vinculação entre a revolução agrária e a revolução democrática. No entanto, nos anos que se seguiram Marx e Engels não retomam as discussões da revolução agrária. Em sua luta contra o proudhonismo, na I Internacional, Marx travou uma importante luta contra o programa pequeno-burgês do mesmo para questão camponesa. O proudhonismo fazia a defesa da propriedade camponesa da terra e da propriedade de cooperativas operárias dos instrumentos de produção, era a sua forma pequeno-burguesa de socialismo. Neste sentido, foi importantíssima as deliberações do Congresso da Internacional em Basileia, 1869, quando aprova-se o programa Marxista de socialização de todos os meios de produção e de nacionalização da terra.
O programa de nacionalização da terra foi interpretado pela social-democracia alemã como uma oposição à revolução agrária. É em torno deste erro de interpretação que Engels, em 1894, afirma que quanto mais os camponeses conseguissem defender sua pequena propriedade frente a expropriação burguesa, mais próximos esses estariam do socialismo. No entanto a solução cabal deste problema só viria ocorrer com o Leninismo. Em 1905, em seus Duas táticas da social-democracia, o grande Lenin demonstra que a revolução agrária era o caminho da nacionalização das terras na Rússia. Essa descoberta armou o proletariado de um programa agrário que ao mesmo tempo atendia a reivindicação dos camponeses pobres sem terra ou com pouca terra, como também não se restringia a essas reivindicações. Como Lenin afirmava, o camponês ao lutar pela terra toma o fuzil e nisto descobre algo mais importante que a propriedade da terra que é a liberdade.
A solução do problema camponês, por sua vez, ajudou Lenin a resolver o problema do caráter do Novo Estado resultante da Revolução Democrática. Lenin, em 1905, universalizou a conclusão marxista do balanço da Revolução Democrática alemã, de 1848: a burguesia russa, demonstrava o grande bolchevique, também era incapaz de dirigir a sua própria revolução. No entanto, a solução Leninista para esta questão era oposta à teoria da “revolução permanente” de Trotsky – que defendia o abandono da etapa democrática da Revolução. Lenin, fiel seguidor de Marx e Engels, demonstrava que diante da vacilação da burguesia russa na Revolução Democrática, caberia ao proletariado assumir a direção da mesma; que a garantia da direção proletária era a de que o Partido deveria se apoiar numa força armada operária e camponesa. E que a Revolução Democrática dirigida pelo proletariado, nas condições da Rússia, conduziria não somente à república democrática para a destruição da velha ordem absolutista-feudal czarista, como asseguraria, com o estabelecimento da “ditadura democrática revolucionária de operários e camponeses”, a passagem à ditadura do proletariado, isto é, o socialismo.
E mais, Lenin, no combate ao revisionismo e buscando aplicar criadoramente o Marxismo às novas condições da Rússia e do mundo, em 1916, estabeleceu a teoria Marxista-Leninista do imperialismo. Além da relação deste último estágio do capitalismo com o fenômeno do revisionismo, como referido acima, Lenin mostraria também a relação dessa questão com as próprias Revoluções Democráticas. O Leninismo revela como que o imperialismo é a “tendência para a violência” e a “reação em toda a linha”; demonstra assim que a burguesia imperialista abandona de vez suas bandeiras democráticas, que nesses países mesmo que não tenha ocorrido ainda a Revolução Burguesa, como na Rússia, ou que esta seja inconclusa, como no Império Alemão, a burguesia, de modo geral, já passara completamente para o lado da reação. As teses leninistas do imperialismo como “reação em toda a linha” configuram-se como importante desenvolvimento da tese de Engels do “bonapartismo prussiano” como uma nova forma de reação antidemocrática.
Lenin destaca assim, que o Imperialismo sendo a partilha e repartilha entre as potências, ele é em último termo a guerra, e que na iminência dessas guerras só as revoluções proletárias – incluídas as revoluções democrática e de independência nacional, dos países oprimidos – poderiam derrotar sua sanha militarista. Em seu importante texto, de 1916, Sobre o folheto de Junius, no qual principalmente saúda a obra de Rosa Luxemburgo sobre a crise da social-democracia alemã, mas também aponta erros importantes dela, demonstra a incorreção da posição luxemburguista de defender que, em 1914, a posição dos marxistas alemães no Reichstag, deveria ser a da defesa da conformação da República alemã, em vez de ir contra a aprovação dos créditos de guerra. Lenin mostra que com república ou monarquia a burguesia imperialista levaria o Estado Alemão para a guerra de qualquer maneira. O grande bolchevique formula a questão chave de que o objetivo da Revolução Democrática, na época do imperialismo, não poderia restringir-se à Constituição Republicana. Que esta havia sido uma consigna correta levantada por Marx e Engels em 1848, mas que estava envelhecida em 1914. O problema da revolução democrática no imperialismo era o do estabelecimento da Ditadura Democrática Revolucionária de Operários e Camponeses, e a conformação do Governo dos Conselhos de Operários, Camponeses e Soldados, como seria complementado por Lenin em 1917.
Lenin saúda efusivamente a obra de Luxemburgo, destacando a clareza da análise desta grande comunista, que defende a justa posição contra a guerra imperialista. Não obstante, pontua outras duas questões importantes: a primeira, a subestimação da possibilidade do surgimento de guerras nacionais revolucionárias nas condições do imperialismo; e a segunda, a vacilação da esquerda Espartaquista em romper completa e definitivamente com o revisionismo kautskista. Sobre este último ponto, reside outro grande aporte do Leninismo, a formulação contida em O imperialismo e a cisão do socialismo, no qual Lenin estabelece que na última etapa do capitalismo se tornava necessário a ruptura definitiva com o oportunismo.
A Revolução Russa de 1917, bem como as importantíssimas revoluções Alemã, Austríaca e Húngara de 1918 e 1919, foram a comprovação prática das verdades e do caráter universal das formulações do Marxismo-Leninismo. A vitória bolchevique em Outubro de 1917, os acontecimentos extraordinários em Berlim, Viena e Budapeste, comprovaram uma a uma todas as afirmações Leninistas. Ao mesmo tempo, eram a confirmação das verdades contidas no pensamento de Engels e da falsidade do revisionismo kautskista e do socialismo pequeno-burguês de Lassalle.
Em fevereiro de 1917, levantamentos insurrecionais de camponeses, operários e soldados derrubam a autocracia czarista na Rússia, estabelecendo-se um Governo Provisório, dirigido pelas posições burguesas da coalizão do Partido Constitucionalista (Kadetes), Partido Socialista-revolucionário (Esseristas) e a fração oportunista de direita do Partido Operário Social-democrata da Rússia (Mencheviques), no qual ascendeu ao posto de Primeiro-ministro (o segundo a assumir o cargo), o Esserista Alexander Kerensky (de julho a outubro de 1917). No entanto, o governo republicano burguês, não cumpriu nenhuma das exigências democráticas do povo russo insurreto: não terminou com a guerra, não acabou com a fome e nem entregou terra aos camponeses. As massas rebeladas, como na experiência da Revolução de 1905, novamente se organizam em Conselhos de Operários, Soldados e Camponeses, os Sovietes (em russo), porém mais massivos e com representantes de toda a Rússia. Contudo estes estavam controlados pela posição pequeno-burguesa menchevique e socialista-revolucionária. Arguto, Lenin compreendera que na situação revolucionária muito desenvolvida da Rússia, a existência dos Sovietes criara uma dualidade de Poderes, o Poder burguês do Governo Provisório e o Poder dos Sovietes de Operários, Camponeses e Soldados. Estando os Bolcheviques em minoria nos Sovietes, Lenin via que para a revolução seguir se desenvolvendo teria que lutar dentro deles para que assumissem todo o Poder na revolução e depusessem o Governo Provisório, para o que centrou todo o ataque nas forças intermédias – Mencheviques e Esseristas –, desmascarando-os como traidores das massas, usando os Sovietes para galgar posições no Governo Provisório e como suporte deste, ao tempo que defendiam a eleição de uma Assembleia Constituinte. O grande Lenin, já em abril de 1917, mostrou toda a sua genialidade de revolucionário proletário temperado no fogo da luta de classes, ao condensar a tática revolucionária dos Bolcheviques para transformar a revolução democrática em revolução socialista, com as consignas de “Nenhum apoio ao Governo Provisório!” e de “Todo Poder aos Sovietes!”.
Em torno do programa democrático expresso na forma mais clara possível com as consignas de “Paz, pão e terra!”, os Bolcheviques foram ganhando as massas e seus delegados nos Sovietes e se tornando a imensa maioria neles. Na Rússia, o deslinde de linhas no POSDR, já em 1903, resultara nas frações Bolchevique e Menchevique. Na Revolução de 1905, as duas frações apresentaram programas opostos para a Revolução Democrática. Com a derrota da Revolução de 1905 os Bolcheviques persistiram com seu programa e quando surgiram nos anos seguintes os primeiros sinais de preparação da guerra imperialista por partilha (Primeira Guerra Mundial), denunciaram como social-chauvinistas os partidos social-democratas, que na Europa defendiam aprovar nos parlamentos de seus países os créditos de guerra. Em 1912, na Conferência de Praga, Lenin lidera a cisão cabal dos Bolcheviques com os Mechenvique, defendendo que chega a um momento do processo do partido, que para manter-se o rumo revolucionário, a fração vermelha deve reconstitui-lo como cabal partido de novo tipo. Lenin liderou a reconstituição do POSDR como Partido Bolchevique do proletariado russo e internacionalista, e que, às vésperas da insurreição de Outubro de 1917, viria denominar-se Partido Comunista da Rússia (bolchevique) por proposição de Lenin como correspondência científica do nome ao caráter do partido. Os Bolcheviques lutaram contra a guerra imperialista desde seus preparativos, lutando para que a II Internacional impusesse aos partidos filiados a linha de derrotar no parlamento de seus respectivos países a aprovação dos créditos de guerra e quando a guerra imperialista eclodiu, defenderam sua transformação em guerra civil revolucionária, aplicaram a tática de confraternização entre os soldados de ambas partes em confronto nas trincheiras do fronte e de sublevação das tropas, conclamando os operários e camponeses fardados a atirarem contra seus próprios oficiais. Desta maneira, as massas de camponeses e operários russos conheciam a distinção programática e prática, a oposição entre Bolcheviques e Mencheviques era demasiado clara para todos. A cisão com o oportunismo fora aplicada de maneira contundente pelos Leninistas e isto foi o fator mais decisivo para os acontecimentos de Outubro de 1917, o triunfo da Grande Revolução Socialista de Outubro, que inaugurou a Nova Era da Humanidade.
Para as massas do povo russo, a disputa entre Bolcheviques e Mencheviques/Esseristas se torna claramente uma disputa entre dois programas opostos. Os Bolcheviques defendiam e aplicavam a consigna da Paz movendo seus esforços para acabar imediatamente com a guerra imperialista para por fim à matança, liberar os soldados, em sua imensa maioria camponeses, para que retornassem a suas aldeias, deter o avanço das tropas alemãs nos territórios da Rússia e reconstruir a economia e toda vida do país, enquanto que os Mencheviques e Esseristas, que antes defendiam a paz, com a Revolução de Fevereiro, já comprometidos com a Entente (coligação imperialista de Inglaterra, França e Rússia na guerra com o Império Alemão) passaram a apoiar a continuidade da guerra, sob o comando do Governo Provisório, cujo Ministro da Guerra dos primeiros meses fora Kerensky. Na luta contra os Esseristas, que eram maioria entre os camponeses, os Bolcheviques tomaram a dianteira, ambos os partidos defendiam uma revolução agrária, mas enquanto os Esseristas defendiam uma reforma agrária a ser estabelecida por uma futura Assembleia Constituinte, os Bolcheviques, contando com a adesão da fração de esquerda dos Esserista (Socialistas-revolucionários de Esquerda, grupo do escritor Máximo Gorki), conclamaram os camponeses a imediatamente tomarem e dividirem todas as terras do latifúndio. E Lenin fez um apelo especial aos soldados vindos do fronte para participarem desta revolução agrária conclamando-os a não entregarem suas armas e a apoiarem os camponeses na partilha das terras do latifúndio:
“Soldados! Ajudem a unir e a armar todos os operários e camponeses! Soldados! Unam-se vocês mesmos mais fortemente e fundam-se de modo mais estreito com os operários e os camponeses! Não permitam que se lhes arrebatem das mãos a força armada! Então, e só então, o povo receberá toda a terra e sacudirá o jugo dos latifundiários.” (V. I. Lenin, Os soldados e a terra)
Os Bolcheviques aplicaram concretamente as consignas de Paz e Terra (imprescindíveis para a conquista do Pão), para assegurá-las definitivamente era necessário antes colocar em prática a reivindicação principal de “Todo Poder aos Sovietes!”. É quando entra em cena a força do Partido Comunista Bolchevique Militarizado, Lenin afirma que chegara a hora do assalto ao poder, que não se podia perder mais nenhum tempo sob pena de dar a iniciativa à contrarrevolução, que conspirava aterrorizada pela agitação das massas e contínua passagem de soldados para os Sovietes, preparava o golpe de Estado. Lenin apresenta o plano para a insurreição em Petrogrado! Para o dia 06 de novembro de 1917 (24 de outubro no calendário russo), estava programado a abertura do Congresso dos Sovietes de Operários, Soldados e Camponeses de toda a Rússia. No Comitê Central do Partido Bolchevique Lenin teve ainda que bater-se contra a minoria vacilante liderada por Kamenev que defendia primeiro aprovar no Congresso a conquista do poder, para só então lançar a insurreição. A posição Leninista esmagou a vacilação pequeno-burguesa e aprovou o plano insurrecional: o Partido comandaria a insurreição, prenderia todos os membros do Governo Provisório e na abertura do Congresso entregaria todo o Poder aos Sovietes. Com a Comissão Militar delegada pelo CC do Partido Bolchevique como quartel general da insurreição, sob direção e mando pessoal de Lenin contava com Stalin, Sverdlov, Félix Dzerzinsky, Andrei Bubnov, Moisei Uritskye (Bolcheviques) e Pavel Lazimir (socialista-revolucionário de esquerda) o plano insurrecional foi exitosamente aplicado. O Governo Provisório foi derrubado e os ministros Cadetes e Menchevique presos. Na abertura do Congresso dos Sovietes de toda a Rússia, o grande Lenin, poderosa chefatura do Partido Comunista da Rússia (bolchevique) e da Revolução anunciava a tomada do Poder pelos comunistas, ao mesmo tempo, em que era aclamado como Presidente do Conselho de Comissariados do Povo. Triunfava de maneira brilhante e espetacular a primeira revolução proletária vitoriosa da História. Iniciava-se, assim, a era da Revolução Proletária Mundial e o Leninismo, sistematizado e definido por Stálin, estabelecia-se, teórica e praticamente, como a segunda etapa do Marxismo. Mais vivos do que nunca, estavam ali, na madrugada do dia 06 para o dia 07 de novembro os grandes mestres do proletariado, Marx e Engels, os fundadores do socialismo científico, o comunismo!
A universalidade do Marxismo-Leninismo comprovou-se poucos meses depois. Pois os acontecimentos extraordinários da Revolução russa, como fenômenos semelhantes se verificariam nas Revoluções alemã, austríaca e húngara nos finais de 1918 e 1919. Embora estes processos não tenham alcançado os resultados grandiosos da GRSO, a forma como eles se deram comprovavam o quão correto estava a prática e o programa dos Bolcheviques. No entanto, como diria Lenin, uma “direção não se improvisa”, e a estas revoluções o que faltou não foram condições objetivas de situação revolucionária para seu triunfo, mas a forja dos elementos subjetivos para sua vitória. Ali faltaram ou foram insuficientes fatores decisivos como o Partido de Novo Tipo, a Chefatura e o Programa adequado às particularidades de cada uma destas revoluções. Faltou a cisão com o oportunismo e o combate sem tréguas ao revisionismo. Enfim, faltou Marxismo-Leninismo!
As críticas da camarada Rosa Luxemburgo à GRSO, escritas em 1918, são um importante demonstrativo de como a não ruptura cabal com o revisionismo e a falta de combate ao lassallismo, impediram esta grande revolucionária, naquele momento, de enxergar corretamente os acontecimentos. Embora, a crítica de Rosa, por recomendação de Mehring e Karl Liebknecht não tenha sido publicada naquele ano, ela é um claro e importante demonstrativo dos erros políticos dos Espartaquistas. Rosa Luxemburgo, que inicia seu texto exaltando a importância e audácia dos Bolcheviques, que segundo ela, foram os únicos a “salvar a honra do socialismo internacional”, centra sua crítica em três pontos como erros dos Bolcheviques:1) o cancelamento da Assembleia Constituinte; 2) a entrega da terra aos camponeses; e 3) a política de autodeterminação das nacionalidades oprimidas pelo czarismo russo. Nesses três pontos Rosa Luxemburgo se apoia em dogmas lassallistas para criticar medidas essenciais desenvolvidas pelo Leninismo. Luxemburgo critica justamente três pontos sem os quais a GRSO não teria triunfado. Na crítica de Luxemburgo estão renovadas as podres posições de Lassalle: o seu constitucionalismo e sua definição de que, fora o proletariado, tudo não passava de uma “massa reacionária”, abandonando assim o campesinato – confirmado pela Revolução Bolchevique como principal aliado do proletariado – e a justa e revolucionária luta pela libertação nacional dos povos e minorias nacionais oprimidas. Vejamos o que Luxemburgo diz sobre o programa agrário aplicado pelos Bolcheviques em 1917:
“A tomada de terras pelos camponeses, após a sumária e lapidar palavra de ordem de Lenin e de seus amigos – Ide tomais as terras! – conduziu simplesmente a uma passagem brusca e caótica da grande propriedade fundiária à propriedade fundiária camponesa.” (…) “após a apropriação, toda a coletivização socialista da agricultura tem um novo inimigo, uma massa de camponeses proprietários que aumentou e se fortaleceu enormemente e que defenderá com unhas e dentes, contra todo atentado socialista.” (Rosa Luxemburgo, A revolução russa)
A camarada Luxemburgo não havia compreendido a síntese Leninista de que a revolução agrária era a via proletária de nacionalização da terra. O programa agrário Bolchevique foi chave para assegurar a consolidação do Poder proletário, os camponeses de toda a Rússia apoiaram o Poder Soviético, questão que foi decisiva para a gloriosa guerra civil revolucionária que derrotou a contrarrevolução russo-branca, apoiada pela invasão da coalizão imperialista de 14 países. Sem o apoio decisivo dos camponeses, o Exército Vermelho teria sido incapaz de expulsar os invasores, derrotar a contrarrevolução interna e estender a Ditadura do Proletariado por toda Rússia. Sob o Poder proletário as pequenas propriedades não representaram um entrave para a construção socialista. Após o duro período da guerra civil, a política de “comunismo de guerra” imposta necessariamente foi substituída pela NEP (Nova Política Econômica), defendida por Lenin como política transitória de capitalismo de Estado sob o Poder Soviético, a qual assegurou a manutenção da aliança operário-camponesa e o soerguimento da produção industrial, da agricultura, reorganização dos transportes e do comércio exterior. Passados mais de dez anos de sua vigência, Stalin defendeu sua suspensão sob a consigna de “Em marcha para o Socialismo”. O problema crucial se apresentou como a necessidade da coletivização do campo. E foi baseado na luta de classes, em que o Poder Soviético apoiava os camponeses pobres e as camadas inferiores dos médios contra os kulaks (camponeses enriquecidos durante a NEP), que Stalin, através da cooperativização e da mecanização, baseou-se para convencer os camponeses da necessidade e importância da propriedade coletiva dos Kolkozes (forma da propriedade socialista inferior à da propriedade de todo o povo – estatal – aplicada aos meios de produção da indústria, transportes e empresas capitalistas do campo, os Solvkozes e também sobre a banca e comércio exterior) para levar a cabo a coletivização como trânsito para a socialização do campo. A política da coletivização correspondia e demonstrava cabalmente que a consigna de Lenin sobre a cooperação era correta. Essa coletivização vitoriosa que agudizou a luta de classes no campo e na sociedade soviética, por sua vez, seria decisiva para fortalecer o Poder soviético e a construção da economia socialista da já União Soviética, que nas condições do cerco imperialista poderia ser atacada a qualquer momento e precisava acelerar a industrialização, para elevar as condições de vida do povo e preparação da defesa de seu imenso território e do Poder Soviético. A vitoriosa grande Guerra Pátria sobre o nazi-fascismo (de 1941 a 1945) não seria possível sem o grande salto da coletivização do campo com que a produção nacional, em menos de dez anos, lograra um espantoso crescimento jamais visto na história mundial. Obra da transformação socialista duma sociedade, da produção planificada e mobilização das massas trabalhadoras organizadas.
No entanto, seria o próprio curso da Revolução Alemã, que demonstraria, de forma dramática, como as concepções reformistas de Lassalle impediram que a direção Espartaquista lograsse maiores avanços na direção daquele processo.
4.2 A derrota da Revolução Alemã e a universalidade do Leninismo
Como visto acima, a Primeira Guerra Mundial era o curso inevitável do desenvolvimento do Império Alemão, como o primeiro agravamento da crise geral do capital monopolista, das contradições interimperialistas, parte da luta de repartilha e por hegemonia mundial. A Marinha de guerra alemã, como impulso burocrático-militar à indústria, o financiamento estatal da renda fundiária junker, tudo isso tinha um elevado preço, que só poderia ser pago com a expansão imperialista, com a repartilha de colônias. A guerra imperialista, portanto, como é muito bem demonstrado por Rosa Luxemburgo, em seu Folheto de Junius, de 1916, inicia-se por iniciativa da burguesia imperialista alemã. O assassinato do príncipe herdeiro do Império Austro-Húngaro, Francisco Ferdinando, em 1914, como ficou comprovado posteriormente, foi uma maquinação dos círculos palacianos prussianos e austríacos para justificar a ocupação da Sérvia. Logo após o atentado, o Reichstag aprovou, no dia 04 de agosto de 1914, por unanimidade os créditos de guerra para o Império Alemão. A fração social-democrata no parlamento era composta então por 110 deputados, na definição interna embora 96 defenderam os créditos de guerra e 14 se opuseram, todos se submeteram à disciplina partidária.
A guerra imperialista foi defendida na Alemanha pelos círculos prussianos e pelo SPD, como uma guerra defensiva e mesmo nacional revolucionária. Com início dos ataques às posições do império czarista na Lituânia, a posição de Kautsky foi a de defender abertamente a guerra imperialista, sustentando que seriam os “fuzis alemães” que libertariam o povo russo da opressão czarista. Apenas a fração de esquerda se colocou contra a guerra imperialista. Nesta época, Karl Liebknecht era deputado no Reichstag e Rosa Luxemburgo dirigente da imprensa social-democrata. Os dois passam, a partir de 1914, a dirigir a fração de esquerda do SPD, denominada inicialmente de A Internacional e posteriormente de Liga Espartaquista. Junto aos dois revolucionários estavam também os veteranos comunistas Clara Zektin e Franz Mehring.
A propaganda ufanista germânica em pouco tempo se arrefeceu. A guerra defensiva se tornou abertamente uma guerra de anexação. A violência das trincheiras, nas quais os operários e camponeses morriam em prol dos interesees da burguesia imperialista, se impôs e desmascarou o chauvinismo. O ódio operário à guerra imperialista cresceu rapidamente, e em pouco tempo importantes greves operárias aconteceram em Berlim e Viena. Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht tornaram-se figuras públicas reconhecidas pelas massas em sua persistente agitação revolucionária contra a guerra. No período de 1914 a 1918, passaram mais tempo presos do que em liberdade, sempre acusados pelo governo de “traição nacional”. No entanto, os Espartaquistas não tomaram a iniciativa de romper com o SPD, só o fizeram em 1917, junto com Kautsky e Bernstein. Naquele ano, diante do desgaste da guerra imperialista e da implosão da propaganda ufanista, os revisionistas romperam com o SPD e conformaram o USPD (Partido Social-democrata Independente da Alemanha). Os Espartaquistas seguiram como corrente minoritária também nesta organização.
A vitória da GRSO, em 1917, apressou o fim da Primeira Guerra Mundial com a derrota do Império Alemão e do Império Austro-Húngaro. A propaganda bolchevique nas trincheiras, a posição proletária no tratado de Brest-Litovski, quando o governo Soviético assumiu inúmeros sacrifícios visando o fim imediato da guerra imperialista, tudo isso impactou o ânimo das tropas austro-prussianas da frente leste. Na frente oeste, a entrada do EUA na guerra reforçou França e Inglaterra e complicou a situação dos alemães. A guerra caminhou rapidamente para seu fim. As tropas da frente oriental alemã começaram a se rebelar contra seus comandantes e a retornar armadas para seus países. Frente ao novo governo soviético o discurso ufanista do SPD de libertar o povo russo do czarismo não fazia o menor sentido. As tropas alemãs e austríacas iam se tornando cada vez mais bolcheviques e os exemplos dos Conselhos de Operários, Soldados e Camponeses foram sendo apreendidos, e se tornou cada vez mais justas para estas massas a reivindicação do governo dos Conselhos.
Vinte e três anos antes, em 1895, em sua Introdução à As Luta de Classes na França, Engels havia avaliado que a monarquia Hohenzollern poderia cair sem a necessidade de barricadas nas ruas de Berlim. De fato, essa previsão se cumpriu, pois entre outubro e novembro de 1918, cairiam as monarquias dos Hohenzollern e dos Habsburgos, que por séculos haviam oprimido os povos germânicos, cumprindo a profecia de Engels que ao eclodir a guerra mundial, coroas iriam rolar.
O Império Alemão, desde 1916, era governado diretamente pelo Alto Comando do Exército. Esta ditadura militar, contava com o apoio da maioria parlamentar do Reichstag, nela os chauvinistas do SPD. Em outubro de 1918, com a iminência da derrota na guerra para a Entente, os militares decidem fazer uma manobra política para salvar o Exército imperial. Diante do armistício que em pouco tempo teria que ser assinado, o Alto Comando decide pela conformação de um governo civil para conduzir o Império ante a inevitável capitulação frente as outras potências imperialistas (Inglaterra, França e EUA). Os militares renunciam e conforma-se um governo monárquico, cujo Chanceler era o Príncipe do Reino de Baden. O SPD, com seu chefete, Ebert, passa a compor este Governo. O plano dos militares era manter a monarquia, estabelecer um frágil regime parlamentar e deixar aos civis a desonra de assinar o tratado de paz, que inevitavelmente seria vergonhoso para a Alemanha.
No entanto, no final de outubro de 1918, inicia-se uma importante rebelião em dois navios de guerra do Império, cujos marinheiros recusavam-se a seguir combatendo na guerra imperialista. 400 desses marinheiros foram presos e seriam julgados por uma corte marcial. Este foi o estopim da revolução alemã. Na primeira semana de novembro, o conjunto dos marinheiros da base naval de Kiel se levantam em uma poderosa rebelião, desarmam os oficiais e libertam os companheiros presos. Junto aos estivadores do porto conformam, numa reunião de 20 mil rebelados o Conselho de Operários e Soldados de Kiel; a bandeira vermelha é hasteada na cidade. Durante esta semana, a Revolução se espalhou por toda a Alemanha e ocorreram levantamentos de soldados e operários em Hamburgo, Bremen, Hannover e Colônia. No dia 08 de novembro, todas as maiores cidades da Prússia Oriental, dentre essas Leipzig, estavam sob o controle dos revolucionários. No dia 9 de novembro, uma greve geral foi convocada em Berlim. Neste mesmo dia, Rosa Luxemburgo era libertada da prisão, Liebknecht já havia sido solto no dia 23 de outubro.
Neste mesmo 9 de novembro, o imperador Guilherme II abdicava do trono imperial, o Príncipe de Baden renunciava do cargo de Chanceler e Ebert, do SPD, se tornava o chefe do governo monárquico em desagregação. No final da tarde deste dia, um grupo de 200 operários armados ocupou o parlamento e desde lá convocou para o dia seguinte uma Assembleia na qual se elegeria o Comissariado dos Conselhos de Operários e Soldados. Esses operários denominados “delegados revolucionários” atuavam clandestinamente nas fábricas de Berlim e haviam sido decisivos nas greves operárias de 1917 e 1918. Eram em sua maioria, bases de esquerda do SPD e do USPD e com forte simpatia pelos Espartaquistas. Essa ousada ação revolucionária, colocava na ordem do dia a dualidade de poderes, entre os nascentes Conselhos de Operários e Soldados e o governo monárquico em decomposição, dirigido naquele momento pelo SPD. No entanto, o resultado dessa dualidade, seria bastante distinto do desenlace ocorrido na Rússia.
O grande problema para a linha de esquerda Espartaquista, naquele momento, era que esses revolucionários no curso dos últimos anos, especialmente durante o período da Primeira Guerra Mundial, não haviam rompido com os chauvinistas do SPD, nem com os revisionistas do USPD (conformado em 1917). A esquerda só se conformaria como um partido a parte, no final de dezembro daquele ano, quando a Liga Espartaquista se converte no Partido Comunista da Alemanha (KPD). Mas essa conformação foi demasiado tarde. Devido a essa falta de demarcação clara entre as posições revolucionárias e oportunistas, as massas foram facilmente confundidas. Liebknecht e Luxemburgo, por exemplo, em sua agitação contra a Primeira Guerra Mundial, foram presos como membros do SPD, isto confundiu muito as massas que num primeiro momento tomou o SPD como o seu Partido. O chauvinista Noske, por exemplo, ao se dirigir para a rebelião dos marinheiros de Kiel, sendo membro do SPD, foi aclamado pelos rebelados como o seu representante político.
Toda essa confusão das massas entre as correntes políticas da social-democracia ficou evidente na Assembleia dos Conselhos realizada no dia 10 de novembro. O SPD, sabendo que o seu governo monárquico seria derrotado pela revolução, se apressa e decide disputar as eleições para o Comissariado dos Conselhos. Na Assembleia, o SPD faz um discurso pela paz, contra a guerra civil e pela unidade da social-democracia. O discurso de Liebknecht era um dos mais esperados pelos operários e soldados, no entanto, em vez de apresentar um programa democrático revolucionário claro para aquelas massas, ele centra suas críticas nas posições chauvinistas do SPD. Isso foi muito mal recebido pelas massas que clamavam pela unidade da social-democracia, aprovando então um Comissariado com representantes dos dois partidos existentes: o SPD e o USPD. Os Espartaquistas, por não serem uma fração à parte, não foram eleitos para o Conselho paritário defendido pelas massas. Ebert do SPD foi eleito como Comissário Geral.
Conforma-se assim uma espécie de Governo Provisório do SPD e do USPD, dos chauvinistas e dos revisionistas. No dia 6 de dezembro este governo convoca, para o dia 19 de janeiro, eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte. Tudo parecia sob o controle dos oportunistas, no entanto a maioria dos Conselhos de Operários e Soldados eram de esquerda, porém, faltavam-lhes o Partido Comunista para unificar e dirigir a posição revolucionária. Nos dias 19 a 21 de dezembro se realiza em Berlim, o Primeiro Congresso dos Conselhos de Operários e Soldados de toda a Alemanha. Este Congresso ao mesmo tempo que revelava a disposição das massas, comprovava, uma vez mais, a ausência de sua vanguarda. O Congresso aprova a socialização dos meios de produção, a destituição dos oficiais do exército e a implementação da eleição para oficiais; aprova-se uma declaração em defesa da revolução socialista e da revolução proletária mundial e ao final canta-se A Internacional. No entanto, esse mesmo Congresso referenda o Governo Provisório do SPD e do USPD, e a figura de Ebert como chefe do governo. Enquanto o Congresso dos Sovietes de toda a Rússia, em novembro de 1917, referendava o comando revolucionário no Poder, o Congresso dos Conselhos de toda a Alemanha, sem o saber, em dezembro de 1918, referendava a contrarrevolução.
No Natal de 1918, o SPD e o Alto Comando do Exército buscam efetivar um golpe de Estado para por fim aos Conselhos de Operários e Soldados. Neste período a Divisão Popular da Marinha, estava reivindicando do governo o pagamento dos soldos, Ebert aproveitou-se da situação para criar uma provocação que justificasse o golpe. Ele se negou a pagar os marinheiros que ocuparam, então, a sede do governo provisório. O Exército imperial aproveitou-se da situação, entrou em Berlim e atacou os marinheiros. No entanto, os marinheiros e operários derrotaram as tropas reacionárias, deixando o governo provisório prestes a ser derrubado.
Nos dias seguintes, ocorre o Congresso de fundação do Partido Comunista da Alemanha (KPD). Vivia-se um ambiente de grande entusiasmo revolucionário devido aos últimos acontecimentos em Berlim. O Programa revolucionário do Partido é aprovado e neste duas coisas chamam a atenção: primeiro, não há uma síntese clara das reivindicações para as massas (como a paz, terra e pão dos Bolcheviques) e, segundo, não há a reivindicação da terra para os camponeses; não há nem mesmo a definição de Conselhos de Camponeses. O Partido Comunista de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht defendiam a conformação apenas de Conselhos de Operários e Soldados.
Em função do ataque sangrento do exército aos marinheiros revolucionários, o USPD decide abandonar o Governo Provisório. Na primeira semana de janeiro, volta-se a viver um forte ambiente revolucionário em Berlim. No dia 5, há uma contundente manifestação de massas armada, e conforma-se uma Comissão Militar com vistas a derrubada do Governo Provisório, composta por dirigentes do KPD, dentre eles Liebknecht, e do USPD. No curso da semana, o Ministro da Defesa do governo provisório, mobilizando tropas do interior, as Freikorps, adentra em Berlim e consegue esmagar a insurreição. No dia 11 de janeiro, dirigentes do KPD e do USPD são presos. No dia 15 de janeiro, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, são encontrados pelos reacionários e executados sumariamente. No dia 19 de janeiro, ocorreriam as eleições da Assembleia Nacional, na qual o SPD obteve a maioria parlamentar. Essa Assembleia se reuniria na pequena cidade de Weimar, dali conformaria um governo com Ebert à presidência, assinaria em junho o Tratado de Versalhes e em agosto adotaria a chamada Constituição de Weimar.
Após o assassinato dos líderes do KPD, a luta contra o Governo Provisório e pelo poder aos Conselhos seguiria em Berlim e em outras partes da Alemanha. Em fevereiro, foi assassinado o presidente do Conselho de Operários e Soldados da Baviera. Em março, após uma forte greve geral, o Exército da República de Weimar ocupa a cidade e decreta o Estado de Sítio. 1200 revolucionários são fuzilados em uma semana na cidade de Berlim. A República de Weimar, tão defendida ainda hoje por oportunistas e revisionistas como modelo constitucional republicano, erguia-se sobre o esmagamento sangrento dos Conselhos de Operários e Soldados, sobre o assassinato dos comunistas Luxemburgo e Liebknecht e cumpria o papel indicado pelo Alto Comando do Exército de assinar o Tratado de Versalhes, no qual França e Inglaterra buscavam reduzir a Alemanha a uma condição semicolonial.
O SPD ficaria no comando da República de Weimar de 1919 a 1925, depois este passaria novamente para as mãos do Exército, que cresceria sua posição denunciando o SPD por ter assinado o tratado de Versalhes. De 1925 a 1933, o presidente da República de Weimar seria o Marechal Hindenburg, um junker prussiano. Em aliança com estes, assumiria em seguida o facínora Adolf Hitler do Partido Nazista. Nesse período o SPD e o USPD caíram em total descrédito perante as massas. Tanto na Alemanha quanto na Áustria foram os comunistas que cresceram entre as massas e representaram para essas a real oposição ao nazismo.
A República de Weimar foi a realização da podre linha de Lassalle. Uma república surgida de uma Assembleia Constituinte, com um texto constitucional “harmônico”. Harmônico e essencialmente prussiano. Pois nesta república, uma vez mais, não se tocou nem na Prússia nem nos junkers. A Prússia deixou de ser um reino, mas seguiu sendo o maior e mais poderoso Estado dentro da Alemanha, que mantinha assim incompleta o seu próprio processo de unificação nacional. Do ponto de vista econômico, a República de Weimar seguiria protegendo os interesses da burguesia industrial e gastando vultuosos recursos nacionais para salvar a arruinada economia dos junkers.
Os acontecimentos revolucionários de 1918 e 1919 mostram-nos que a possibilidade objetiva para a tomada do poder pelo proletariado esteve na ordem do dia. No entanto, a revolução alemã não foi derrotada por detalhes. A sua derrota começa muito antes, incia-se com o surgimento do revisionismo de Bernstein, no restabelecimento do socialismo pequeno-burguês lassallista. E o mais grave foi que a própria esquerda tomou posição por Lassalle e contra as corretas críticas de Marx, sobretudo as de Engels. Assim, embora a Liga Espartaquista fosse de esquerda e revolucionária, esta não conseguiu formular um programa revolucionário adequado, nem construir todos os instrumentos fundamentais necessários para a tomada revolucionária do Poder. A construção do Partido de novo tipo e cisão com o oportunismo que só ocorreram tardiamente, fizeram muita falta aos revolucionários alemães. Assim como os elementos destacados na linha de Marx- Engels para a revolução democrática na Alemanha para a hegemonia do proletariado: a defesa dos camponeses e das nacionalidades oprimidas.
4.3 O pensamento de Engels e o desenvolvimento do Marxismo
Os soldados e marinheiros alemães em sua maioria eram camponeses. A falta de um programa claro dos Espartaquistas para essas massas, foi um elemento decisivo para que essas tenham pendido para o SPD, acreditando assim que estavam salvando sua revolução. Ao contrário do que pensava a camarada Luxemburgo, a consigna de tomada das terras do latifúndio, de revolução agrária nas terras dos junkers, traria para o Partido Comunista um fiel aliado para a revolução socialista. No entanto, os Espartaquistas ficaram presos aos dogmas lassallistas e não mobilizaram a energia revolucionária dos camponeses.
Os comunistas alemães e austríacos, da geração seguinte a de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, moveram todos os seus esforços para, a partir da derrota da revolução alemã de 1918 e 1919, e apoiando-se no Marxismo-Leninismo e nos ensinamentos específicos de Engels acerca da revolução na Alemanha, forjar um pensamento-guia para suas revoluções. Ernst Thälmann, grande dirigente comunista alemão, em 1930, no Programa de Libertação Nacional e Social do povo Alemão, estabelece um importantíssimo ponto programático de quebrar“o domínio dos grandes latifundiários, expropriar suas terras sem indenização e as entregar aos camponeses pobres”. Com essa consigna Thälmann ao mesmo tempo que aplicava os ensinamentos do Leninismo, de que a revolução agrária é um caminho para a nacionalização das terras, também retomava aspectos universais do velho programa da Nova Gazeta Renana na revolução de 1848.
As conclusões de Alfred Klahr, do Partido Comunista da Áustria (KPÖ), perseguem este mesmo objetivo de aplicar o Marxismo-Leninismo de maneira inseparável do combate ao revisionismo. Klahr percebe com muita sagacidade que o traço peculiar do fascismo na Alemanha de Hitler era a associação do capital financeiro com os junkers prussianos. Caracteriza a República de Weimar como o resultado de uma “revolução burguesa do capital financeiro” e destaca como os interesses dos junkers não foram quebrados e como que o peso da Prússia seguia dominando a Alemanha “republicana”. Quando Hitler anexa a República da Áustria ao III Reich, em 1938, Klahr levanta a consigna precisa de “Fora com os prussianos da Áustria!” e defende que os revolucionários alemães deveriam levantar a consigna de “Fora com todos os reacionários prussianos da nação alemã!”. Destaca de maneira muito clara a relação entre a destruição do latifúndio semifeudal, como necessidade para a derrota do nazifascismo:
“Aniquilar os junkers prussianos, aniquilar (expropriar) como classe social e superar seu mundo de ideias nas mentes das massas alemãs é um dos pré-requisitos mais importantes para qualquer desenvolvimento progressivo posterior da nação alemã, para a conclusão de sua unidade nacional em um sentido democrático-progressivo.” (Alfred Klahr, Sobre o desenvolvimento da nação alemã)
A República de Weimar foi um produto do revisionismo e do lassallismo, afinal Lassalle queria uma república em aliança com os junkers. A República de Weimar representa também uma nova forma do “bonapartismo prussiano”, identificado por Engels. Ou como precisamente caracterizou Stalin, que a social-democracia foi a antessala do nazifascismo. Os comunistas alemães e austríacos, em sua heroica luta contra o nazismo, obtiveram importantes vitórias ao aplicarem o Marxismo-Leninismo, os aportes do camarada Stalin, destacadamente a poderosa linha da Frente Única Antifascista. Não por acaso, o camarada Dimitrov, em seu histórico discurso ao VII Congresso da Internacional Comunista, que foi dedicado aos camaradas Thälmann e Gramsci (que naquele momento estavam nas masmorras do fascismo na Alemanha e na Itália), destaca a importância da Frente Única na Áustria e sua grandiosa experiência de luta armada antifascista dentro do próprio território do Reich-nazista. Os junkers e a Prússia só deixariam de existir após a vitória da URSS contra o nazifascismo; na vindoura República Democrática da Alemanha e da Polônia Democrática, uma das primeiras tarefas, nos anos de 1945 e 1946, foi a realização de uma reforma agrária radical que expropriou, sem indenização, todas as terras dos junkers e as entregou para mais de 500 mil camponeses. A linha do camarada Stalin, aplicada pelos comunistas na Alemanha, cumpriria quase 100 anos depois, a proposição desfraldada por Marx e Engels na Nova Gazeta Renana.
Todo esse desenvolvimento glorioso da ideologia do proletariado, a luta de classes, o combate à burguesia, ao latifúndio e ao imperialismo, esteve umbilicalmente ligado ao combate ao revisionismo e a todo oportunismo. O Marxismo só pode se desenvolver no fogo da luta de classes e no combate implacável ao revisionismo. Por isso, o pensamento de Engels foi tão importante para o surgimento do Marxismo-Leninismo e foi fundamental para o desenvolvimento superior do Marxismo-Leninismo-Maoismo. Tal é o corretíssimo ensinamento do grande Lenin: “Não se pode entender o marxismo nem se pode apresentá-lo de maneira completa, sem ressaltar-se todas as obras de Engels.” E dentre esses ensinamentos têm grande importância hoje para nós, as obras do grande sistematizador do Marxismo que tratam da Revolução Democrática. Afinal, como nos ensina o Presidente Gonzalo com sua magistral afirmação de que o fundamental do Maoismo é o Poder, o Poder para o proletariado em todos os tipos de revoluções em curso; da mesma maneira devemos buscar no Marxismo-Leninismo os ensinamentos que guiam o proletariado ao Poder. E as lutas de Engels pelo impulsionamento da Revolução Democrática na Alemanha são de suma importância para os revolucionários, especialmente no Terceiro Mundo.
Pois que a celebração dos 200 anos de Engels é a celebração da força invencível do MCI. O Marxismo é indestrutível e desde o final do século XIX e ao longo do século XX seguiu se desenvolvendo aos saltos, e segue vivo em meio às peripécias da luta de classes e aos desafios da luta de duas linhas. Hegel com sua profunda dialética afirma que a verdade da planta é a flor, e a verdade da flor é o fruto. Disso podemos concluir que a verdade do Marxismo é o seu desenvolvimento, que no Leninismo se reafirma de uma maneira mais elevada os elementos universais do Marxismo, da mesma maneira que está desenvolvido no Maoismo as verdades mais presentes do Marxismo-Leninismo. Todavia, o desenvolvimento da ideologia do proletariado não pode ser compreendido, conforme a dialética idealista, como um automovimento do conceito. A luta de duas linhas move o Marxismo justamente porque seu único critério da verdade é a prática social, centralmente a da luta de classes, desde o advento da propriedade privada. Por isso as três etapas como grandes saltos da ideologia científica do proletariado conformam uma unidade dialética com as grandes batalhas na luta de classes, das quais emergem luminosas e subsequentes a Comuna de Paris, a Grande Revolução Socialista de Outubro, a Grande Guerra Pátria, a Grande Revolução Chinesa, a Grande Revolução Cultural Proletária e a Guerra Popular no Peru. Neste processo se forjaram grandes chefes do proletariado, dos quais se destacam como Chefaturas do proletariado internacional os Grandes Marx e Engels, Lenin e Stalin, o Presidentes Mao e o Presidente Gonzalo, dentre os quais ressaltam-se três mais altos cumes: Marx, Lenin e o Presidente Mao, por isto: Marxismo-Leninismo-Maoismo!
Viva os 200 anos do natalício do Grande Friedrich Engels!
Viva a imortal obra de Marx e Engels!
Viva o Marxismo-Leninismo-Maoismo, principalmente maoismo e aportes de validez universal do Presidente Gonzalo!
Viva a Revolução Proletária Mundial!
Pela Conferência Internacional Maoista Unificada e a Nova Organização Internacional do Proletariado!
Notas:
1 Este artigo serviria de base para a publicação, em 1845, do livro homônimo de Engels, com uma análise muito mais detalhada da situação de vida e da luta da classe operária na Inglaterra.
2 Os junkers (do alemão, jung herr: novos senhores) eram uma camada da aristocracia feudal prussiana. Exploravam as terras eslavas colonizadas pelo reino da Prússia, terras pouco férteis que exigiam muito trabalho. Diferentemente da aristocracia feudal austríaca, os junkers não viviam na corte; controlavam diretamente seus servos que eram brutalmente explorados. Os junkers possuem semelhanças com os “coronéis do nordeste”, no Brasil, e os “gamonales” no Peru. Quando o grande Lenin se refere a “via prussiana” de desenvolvimento do capitalismo, está tratando da forma como os junkers avançaram para a produção agrícola capitalista, gradualmente e conservando relações semifeudais de produção. Os junkers se transformaram, nas décadas de 1850 à 1890, na classe dominante hegemônica no velho Estado prussiano.
3 Importante destacar aqui, que as conclusões de Marx e Engels sobre a revolução permanente nada tem em comum com a podre teoria trotskysta, que copia apenas a denominação com o único intuito de falsificar completamente o seu conteúdo. A teoria de Trotsky de “revolução permanente” foi formulada, em 1905, em oposição a teoria leninista da direção proletária da revolução democrática. Trotsky defendia que a revolução russa deveria ser imediatamente socialista; desta maneira se opunha à bandeira da revolução agrária para os camponeses e da autodeterminação das nacionalidades oprimidas pelo czarismo. Se opunha também à consigna leninista de ditadura democrática revolucionária de operários e camponeses, como etapa necessária à ditadura do proletariado nas revoluções democráticas. Como veremos nas páginas a seguir, a concepção de Lenin é que se constituiu no desenvolvimento verdadeiro do socialismo científico, como sua segunda etapa, isto é, o Marxismo-Leninismo, enquanto o troyskyismo, ao contrário, nada mais é que uma variante do socialismo pequeno-burguês, um desenvolvimento apodrecido das concepções oportunistas de Ferdinand Lassalle.
4 Napoleão III, era sobrinho-neto de Napoleão Bonaparte. Assim como o tio-avô deu um golpe de Estado contra a República e proclamou um império. Marx analisa em detalhe este último golpe em sua monumental obra O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Nesta, mostra que o sobrinho-neto era apenas uma pálida caricatura, uma farsa, do que havia sido Napoleão I; que o Segundo Império, da mesma forma não guardava nada da importância histórica que o Império de Napoleão havia reservado para a Europa. No entanto, Marx destaca também como Napoleão III buscava manipular o sentimento dos camponeses, que viam em seu tio-avô um verdadeiro libertador, bem como enganar outros povos da Europa se apresentando como um emancipador das nacionalidades oprimidas. Em tudo, Napoleão III era uma falsificação; isso foi demonstrado cabalmente por Marx em 1852, e depois comprovado pelo curso da história, notadamente, na guerra franco-italiana-austríaca.
5 Devido ao caráter burguês da direção da guerra civil norte-americana, acentuado pelo ainda precário movimento operário no EUA, em 1865, o resultado desta revolução não foi amplamente radical. Como o camarada Lenin analisaria, em 1915, no texto Novos dados sobre a agricultura no EUA, após a guerra civil, o fim da escravidão negra não significou a emancipação social dos negros norte-americanos. Como Lenin demonstra, a escravidão foi substituída no sul ianque pela servidão forçada, isto é, por relações semifeudais encobertas pelos chamados contratos de “parceria”. Até os anos de 1960, a condição servil dos negros no EUA esteve latente. Somente após as lutas pelas igualdades dos direitos civis, os negros norte-americanos conquistariam aquilo que o povo francês havia conseguido em 1789! Só na década de 60 do século XX passará a existir a igualdade jurídico-civil na sede do imperialismo ianque, ainda assim marcada pelo repulsivo racismo até os dias atuais, inclusive de forma legalizada em estados do Sul, como o direito de proibir negros a entrarem em estabelecimentos comerciais, acobertados por uma suposta “liberdade de expressão”.